quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Um mês e meio - parte 2 (continuação)

Na birosca na esquina de casa, disse à outra amiga:
- Carolina, 2009 vai ser O ANO! Escuta bem o que eu tô te dizendo: vai ser O ANO! Anota, pode anotar.
Que Carolina tinha mania de escrever muito e andar pra cima e pra baixo com uns caderninhos que, às vezes, até dentro da sala de cinema, bem no meião lá do filme bombando, ela sacava de dentro da bolsa de couro e, enxergando sabe-se lá como na sala escura, anotava alguma coisa e não mostrava pra ninguém (e olha que Beatriz já havia implorado mil vezes para ver o que a amiga escrevia, mas tudo em vão, Carolina escrevia muito, sem parar, infinitamente e tudo só pra ela).
- E por que você diz isso? - Carolina pergunta, também intrigada com a convicção da outra.
- Eu sei. Eu tenho certeza. Estou intuindo, e olha que intuição não é lá muito fácil de explicar, é mais fácil explicar o que é id, ego e superego. E até ideal do ego e ego ideal, embora esses aí sejam assim um pouquinho mais confusos...
- Sei... - e Carolina não dava crédito, abria seu caderninho, escrevia um mistério qualquer ali e o fechava, muda e brilhando nos olhos azuis.
Então, naquela de que sabia que algo de muito bom e extraordinário aconteceria no próximo ano que já se avizinhava sorrateiro, Beatriz correu pra procurar um bom astrólogo, sendo que só a Luísa deu-lhe cinco indicações, falando vantagens e desvantagens de cada um (do quanto custaria até a sensibilidade de cada um e dos acertos também, embora essa última questão não convecesse Beatriz, que contra-argumentava num piscar de pestanas: "os acertos têm a ver com a capacidade do dono do mapa de seguir as diretrizes que são implicitamente jogadas, depende da persuasão do astrólogo de te convencer, sub-repticiamente, a fazer exatamente aquilo que ele desenhou no mapa, sabendo-se ele ou não ser o autor do desenho e nenhuma instância inter-planetária maior"). Estranhamente, Beatriz achava aquilo e ainda assim queria fazer o tal mapa, queria ver se casaria com sua intuição o que o astrólogo ia dizer. E ela ia realmente fazer o mapa astral, antes que terminasse o ano.

(continua)

domingo, 16 de novembro de 2008

Um mês e meio - parte 1

Faltava assim certinho um mês e meio - um-mês-e-mei-o! - para que o ano acabasse e Beatriz andava assim com a pulga atrás da orelha com piercings e brincos, desconfiadíssima, é verdade, de que o ano que vem ia ser muito bom. E aí deu-lhe na telha da cabeça, da casa, do ofício, fazer um mapa astral. Inaugurar sua presença nesse campo das perspectivas de mundo. Ela sempre rejeitara esse tipo de atividade, que achava que mapa astral dá de criar o destino que nunca jamais em tempo algum - nun-ca-ja-mais-em-tem-po-al-gum! - existiu.
- Ô, Luísa, destino não existe. Esses mapas aí fazem com que a gente faça aquilo mesmo que o astrólogo disse que ia acontecer. Não é que tava lá já, entendeu, não é isso. Não se trata disso. O que acontece é que a gente ouve aquilo lá e cisma, cisma mesmo!, e aí vai fazendo tudo o que tava dito que ia acontecer. Sacou?
Mas a Luísa achava que não e volta e meia fazia um mapa astral, tentando convencer a amiga de que devia fazer um também, sinastria, revolução solar, mil nomes que não interessavam tanto assim à Beatriz.

Não interessavam tanto até o dia em que ela passou a cismar que o ano que vem traria muita coisa boa. E ela ia correr atrás disso para tirar a dúvida...

(Continua)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Cláusulas

Quais são as cláusulas?
Eu quero saber quais são as cláusulas!
Me diga quais são as cláusulas desse contrato de vida.
Porque nasci.
E eu não sabia de nada.
Mas há quem ache que sim, que tudo é questão de escolha, inclusive o nascimento.
Então me mostre o contrato.
Onde assinei?
Que seria assim, assim, assado?
Onde está escrito, cadê os asteriscos, eu quero os asteriscos!!!!
Esses asteriscos duvidosos são os mais traiçoeiros. E para os desavisados, eles passam batidos. É comum, muito comum aliás, eles não serem sequer notados.
Estão onde menos se espera e lá embaixo vem a legenda que explica o que eles querem dizer, mas essa legenda...?
Ah, eu te conto sobre esse tipo de legenda, eu te conto sim...
É preciso de lupa pra ler. Pra conseguir enxergar! Para ver o que tem lá!
E lá tem muita coisa, nessas notas de pé de página, nesses asteriscos que contam a realidade de uma situação que, na primeira olhada rápida, você não vê, você não atina.
Então...
Mostre-me!
Cadê as cláusulas? Onde rubriquei? Os asteriscos? Onde a lupa, para eu poder decifrar? Cadê o dicionário? Isso é feito manual, que você não entende e aprende no tapa, isso quando aprende alguma coisa?
Quero ver o contrato de vida e tudo explicadinho, item por item, que ia ser assim como está sendo...