domingo, 25 de maio de 2014

circuito

existe essa violência diária de começo de dia, dos ritmos entubados para manter o olho aberto, a remela oculta, tudo dentro do tempo certo. existe essa violência diária do metrô e a voz que anuncia que estamos aguardando para a liberação da estação 'de' Central. existe essa violência diária da avenida brasil sentido centro, da marechal rondon sentido uerj, da via dutra sentido rio, às oito da manhã, às sete, às seis. existe essa violência diária de trens descarrilados, frenagens bruscas. existe essa violência simbólica dos preços nas vitrines, das roupas que não me cabem, dos objetos que não me pertencerão. existe essa desumanização diária que a gente pensa que aguenta. essa angústia diária, que é corrente elétrica em circuito em série, ela vem acendendo as lâmpadas, essa angústia elétrica diária que segue em minha direção. eu sou a próxima lâmpada.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

EU SOU CONTRA A COPA

Eu sou contra a copa. Sou a favor da greve de rodoviários. A favor da greve de professores. Sou a favor do Rio. Sou a favor de que o poder aquisitivo dos cariocas se mantenha, no mínimo, igual, para poderem continuar pagando seus aluguéis dignamente e também o cafezinho, na hora do intervalo. Metrô 3,50, aumento de quase 10%, lata de sardinhas operárias tentando chegar em casa às 6 da tarde, quanto meu salário aumentou? Ônibus 3 reais porcaria móvel, mais de 10% de aumento, quanto meu salário subiu? Sou contra a copa, a favor do SUS, a favor da luta antimanicomial. Sou contra a copa e a favor da greve. Das greves. Sou contra a copa. sou contra a copa. sou contra a copa, serei eu vândala?

(e mais um motivo é a Lei da Copa, que, entre outros absurdos, permite que a FIFA seja dona da palavra PAGODE até o fim do ano - quem usá-la para fins comerciais, deverá pagar à sua nova dona - além da expressão NATAL 2014 - MEDO PÂNICO HORROR!)

sábado, 10 de maio de 2014

Homem Cansado (escrito para o Caneta, Lente, Pincel)

O que você vê?, Um homem cansado, Um homem cansado?, Exausto, um homem exausto, com a boca entreaberta em um suspiro de dor, Um homem exausto?, Extenuado, e ele olha para cima, a cabeça cercada de enxaquecas, ele quer chorar mas não sabe como, quer dizer algo mas não tem a quem, está sozinho na penumbra, esse homem sem forças, e um facho de luz do apartamento vizinho incide sobre seu rosto de séculos.

Calei-me e traguei o cigarro. Esperei. Olhávamos o céu, era véspera de abril, o calor embalsamava minha vontade de viver. Devolvi a pergunta.

O que você vê?, Vejo uma bruxa, uma feiticeira, uma mulher antiga fazendo uma prece, Uma prece?, Ela pede pela volta de alguém, tem três dedos apontados para cima, um pouco dobrados, uma mulher com manias diversas e histórias detalhadas, Quais, quantas?, Uma octogenária que ainda tem esperança, De quê?, De esquecer tudo, E que mais?, Ela tem um passado tão comprido que, toda noite, antes de dormir, põe-se a dobrá-lo com paciência e asco, e o faz diversas vezes, de modo que caiba na gaveta de cima da cômoda, Ela tem uma cômoda?, De mogno, E o que mais ela guarda na cômoda?, Meias, casacos, uma caixa de gargantilhas que não usa mais, dentes de leite dos netos, cartas que pretende queimar, diários que não almeja reler.

Apaguei o cigarro quando ela acabou de falar. Ficamos em silêncio. Continuei olhando o céu, que já se desfazia, com a noite. Pus-me de pé, afanei parcelas de ar com a força dos meus pulmões e, sem vontade de sorrir, entrei em casa, cansada do jogo.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

quem fala mal do bolsa família

Quem fala mal do bolsa família tem sua renda boa e garantida todo mês (herança? mesadinha? salário?). Quem fala mal do bolsa família mora em uma casa onde há um quarto para cada morador, e pelo menos dois banheiros. Quem fala mal do bolsa família janta ou almoça fora pelo menos de 2 a 3 vezes na semana, tem frutas à vontade sobre a mesa. Quem fala mal do bolsa família mora em lugares onde não há dificuldade de acesso a transportes públicos, escola, saúde. Quem fala mal do bolsa família tem fácil acesso a bens culturais e, se quiser, pode comprar um livro por mês. Quem fala mal do bolsa família nunca entrou em uma casa de 20 metros quadrados (um pouco menos, um pouco mais), onde moram 10 pessoas, sem divisão de cômodos, atoladas sabe-se lá como, e onde o calor é tão forte que estufa seria um nome mais apropriado para designar aquilo que nunca foi um lar. Quem fala mal do bolsa família viaja com regularidade, tem tv a cabo, banda larga e netflix, um hometheatre confortável em casa. Quem fala mal do bolsa família fez faculdade, estudou em ótimos colégios, provém de uma família onde o letramento existe desde a mais tenra idade e tudo fica mais fácil. Eu ousaria dizer que quem fala mal do bolsa família até ganhe uma bolsa família de outra espécie, que não é programa de governo e que ninguém questiona, uma bolsa família informal, ajuda financeira do papai ou da mamãe. Há os acomodados, é o que dizem os que falam mal do bolsa família, mas os que ganham bolsa família informal de seus papais ou mamães são ou não são acomodados, já têm conforto, moram bem e têm tudo próximo e não precisam correr atrás? Eu convido quem fala mal do bolsa família a fazer uma visita à Baixada Fluminense, a Guadalupe, a Cordovil, pegar o trem ramal Belford Roxo às 18h, ou o metrô sentido Pavuna às 17h30, baldear, sofrer a violência urbana tácita de todos os dias. Porque aqueles que falam mal do bolsa família não sabem a diferença entre Méier, Cascadura e Senador Camará, mas se incomodam profundamente quando o gringo mistura Brasil e Buenos Aires. As pessoas deveriam pensar duas vezes antes de falar. 

link sobre o prêmio concedido ao Bolsa Família:
http://www.brasil247.com/+hnk5t

terça-feira, 6 de maio de 2014

Resenha sobre Dias Roucos e Vontades Absurdas

Em 17 de julho de 2013, lancei meu primeiro livro de contos, pela Editora Oito e Meio. Aqui, a resenha sobre meu livro, no portal Ambrosia.

http://ambrosia.virgula.uol.com.br/dias-roucos-e-vontades-absurdas-de-vivian-pizzinga/

domingo, 4 de maio de 2014

Livreto para Mojobooks, de 2009 - Secos e Molhados

http://urano789.digiweb.psi.br/mojo_inteira.php?idm=396

Em 2009, escrevi um livro para a Mojo Books, baseado no álbum número 1 dos Secos e Molhados. A Mojo Books é essa editora virtual que tem essa ideia interessante faz com que escritores transformem em pequenos livros seus álbuns preferidos.

Hoje eu escreveria tudo beeeem diferente, mas, vale recordar. Eu estava custando a achar esse link, tomara que fique acessível sempre.

Três Horas (para o Caneta, Lente, Pincel)



Naqueles tempos, era por volta das três horas que eu me levantava, um pouco antes do café da tarde, e me dirigia, fingindo tranquilidade, à caixinha do correio. 

A palpitação que se insinuava na garganta, eu tentava ignorar, e respeitava meu ritmo letárgico de ficar na ponta dos pés, alcançar a caixinha, apalpar seu interior.

Quando eram contas, informes publicitários, campanhas políticas, eu bufava mais durante as tardes. E às vezes me dava soluço. Refluxo. Diarreia. Diarreia era muito comum.

Quando chegava a carta, minha velocidade se tornava um processo aleatório, e eu nem era capaz de perceber o passo depois do outro que me levava de volta para casa. O café era mais vibrante, a temperatura que ele fornecia à minha língua era mais densa, prenhe de contornos. O céu da boca amolecia de prazer.

Eu lia a carta, que era sempre de uma só página. Na letra, algum tremor que me emocionava.

Quando terminava, corria para preparar o café, e a hora do café era a hora da releitura, de espichar os significados dentro de mim, extraí-los da carta e dispô-los, um a um, como objetos da minha sala, como almofadas novas sobre o sofá, como quadros na parede. Era o momento de produzir alguma saudade.

Depois eu cheirava a carta, deixava-a sobre a mesa, como o destaque necessário da minha vida. Até vir outra carta. Ele sabia que eu precisava de uma notícia com cheiro, com itinerário.

Minhas respostas, geralmente de meia página que eu demorava uma tarde para escrever, uma noite para reler, outra tarde para passar a limpo, minhas respostas talvez ele as esperasse sem café, sem ritual, sem almofadas.

E respondia no seu tempo. Naqueles tempos. Em que as cartas eram mensais.

Hoje, ele não me escreve mais.


***

O texto foi escrito para o coletivo Caneta, Lente, Pincel, inspirado na fotografia de Danielle Schlossarek. 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

segunda


segunda-feira e o prognóstico da semana, o recomeço sempre à espreita, o bote dos dias úteis. o metrô e seu humor negro diário, sua piada de mau agouro. as pessoas paramentadas de bolsas, documentos, rugas na testa. as pessoas e seus itinerários urgentes, intransigentes. as pessoas. ------- eu.