segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

ainda estou pensando



ainda estou pensando em Boyhood, o filme, ainda estou pensando na continuidade terrível da vida, ainda estou pensando que mesmo quando tapamos os ouvidos não podemos deixar de ouvir, ainda estou pensando na descontinuidade incrível da vida, ainda estou pensando na personagem da Patricia Arquette, ainda estou pensando que o dia 25 de dezembro é um dia sui generis, ainda estou pensando que fui deixando de fazer coisas que eu gostava e que não tenho mais tempo pra fazer as coisas que eu gostava, ainda estou pensando que, se eu pudesse, faria outras coisas daqui pra frente, ainda estou pensando que não poderei fazer outras coisas daqui pra frente, ainda estou pensando naquele menino, o Mason, de Boyhood, uma graça de menino, um artista e não um atleta, ainda estou pensando que a vida é terrivelmente contínua, ainda estou pensando que se eu pudesse ficaria dias e dias e dias em casa sem sair, apenas lendo, ainda estou pensando que não gosto mais de estudar, ainda estou pensando que estudar é pra quem tem tempo, ainda estou pensando que o tempo é algo longo e curto ao mesmo tempo, ainda estou pensando no que todo mundo pensa, não há originalidade alguma em mim, nunca houve, ainda estou pensando que escrevo porque senão já era, ainda estou pensando que não quero escrever certas coisas, ainda estou pensando que estou tendo insônia todos os dias e que não posso ter, ainda estou pensando que esse foi um ano em que a dor física se instalou mas já tá saindo, ainda estou pensando que o fígado é um órgão complicado à beça, ainda estou pensando em Boyhood e nas coincidências da vida, ainda estou pensando que não queria saber de coisas mas elas chegaram aos meus ouvidos, ainda estou pensando que meus ouvidos doem menos do que deveriam doer, ainda estou pensando que tenho um romance, ou melhor, uma narrativa longa que é preciso terminar de escrever, ou melhor, que é preciso terminar de reescrever, que preciso terminar de retocar, ainda estou pensando que odeio tudo o que escrevo, ainda estou pensando que há certos textos que são cópias de outros, ainda estou pensando que penso muito nas mesmas coisas, ainda estou pensando que uma década é pouco para uns, ainda estou pensando que uma década é pouco para mim, ainda estou pensando que sou uma obsessiva incorrigível, ainda estou pensando que faltam poucos dias para o ano acabar, que passou devagar e rápido ao mesmo tempo, ainda estou pensando que o fígado é um órgão à beça, mas nada promissor, ainda estou pensando que posso ficar escrevendo infinitamente no que estou pensando, porque estou pensando muito, mas também tomando guaravita, que me deu uma insônia terrível ontem, ainda estou pensando que faltam duas décadas, mas duas décadas é infinitamente longo para mim, ainda estou pensando que se eu pudesse eu viajaria mesmo para a Rússia, ainda estou pensando que, se eu pudesse, tocava bateria, ainda estou pensando que ninguém vai ler este post até o fim, ainda estou pensando que gertrude stein se repetia menos do que eu.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

pretérito perfeito

e então acordou, se arrumou e saiu, trabalhou, conversou e sorriu, almoçou, retornou e ouviu, e falou, e falou, se calou, e pensou e voltou e dormiu, despertou e lanchou e saiu, e bebeu e brindou e sorriu, conversou, se aprumou e voltou, e jantou, se despiu, se deitou.
suspirou, se esticou, vomitou.
e chorou, e chorou, e chorou

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Sobre BOYHOOD e a difícil continuidade de cada dia



Somos contínuos. Não é incrível? Somos contínuos. Não é terrível?

Pelo lado do otimismo e da alegria de viver, sermos contínuos é algo incrível. Ou melhor, é sempre incrível que os outros que nos acompanham, pais, mães, filhos, namorados, amigos, sejam contínuos. Que bom que a maioria daqueles que me cercam são contínuos e me acompanham em minha continuidade. Torço ardentemente para que sejam muito mais contínuos do que eu. Para que me ultrapassem em sua continuidade. Mas, vendo Boyhood, talvez pela lente do meu eventual pessimismo, cheguei à conclusão de que ninguém é feliz, salvo honrosas exceções. E que podemos até pensar: somos contínuos, não é terrível?

Esse é um texto que não combina com a véspera de natal e me desculpem aqueles que tiveram um ano feliz no facebook e colocam aí essa foto circular com a legenda 'o ano de fulana - obrigada por fazer parte dele'. Não é um texto propício, não é um texto alvissareiro, mas é preciso falar sobre continuidade e interrupção vendo Boyhood. Trata-se de um filme adequadíssimo (existe superlativo de adequado? ou adequado é tão adequado que é fixo nele mesmo?) a um fim de ano, momento em que muitos pensam e repensam suas vidas. Momento em que a continuidade é colocada em questão, tratada como objeto manipulável. Enfim, vendo Boyhood e vendo aquela mulher interpretada pela Patricia Arquette, não há como não pensar que ninguém está satisfeito, salvo quando estamos no facebook colocando selfies alegrinhos.



Aquela mulher venceu na vida enquanto mulher e mãe. Aquela mulher soube criar os filhos, passando por perrengues sem conta, educou-os lindamente como o pai não foi capaz de fazer, porque ao pai cabiam os finais de semana, as férias, as eventualidades prazerosas e prazenteiras, ao pai cabiam as celebrações, mas à mãe, surpreenda-se agora ou nunca mais: cabia o todo dia, cabia a continuidade, cabia o café-almoço-e-janta, cabiam as contas, cabia tentar ser feliz no amor dando conta de duas crianças, cabia renunciar ao prazer egoico, mais uma vez, em nome de duas crianças, cabia retomar a faculdade e tentar não pagar dois aluguéis ao mesmo tempo, cabia marcar na parede a altura do Mason e sua irmã enquanto cresciam, cabia a solução para a dislexia do menino, e ela conseguiu, e ela os fez crescer vivos, contínuos, sãos, salvos, ela conseguiu retomar a faculdade e se formar, ela conseguiu se tornar professora universitária, e como ela mesma diz à certa altura do filme, ela conseguiu passar metade da vida comprando uma casa para passar a próxima metade se desfazendo dela. Ela conseguiu milagres diários impensáveis. E, enfim, quando essa grande mulher envia o caçula à faculdade, há aquela crise de choro e desespero porque o tempo urge, porque somos contínuos apenas até a nossa descontinuidade, até o colapso de algo que se chama vida, e a vida é essa continuidade exasperante que uns amam, muitos outros odeiam. Maldita continuidade que queremos e que odiamos. Essa mulher - a mãe do adorável Mason - se dá conta de que o próximo evento de sua vida só pode mesmo ser a morte. E ela achava que haveria um pouco mais. Uma fatia do bolo onde houvesse algum recheio. No entanto, ela pergunta, e com razão, e com desespero: o que sobrou para ela?

Essa mulher que se desespera no momento em que o último filho sai de casa é uma mulher que eu admiro, essa mulher nós todos admiramos, nós todos invejamos, porque ela não atirou no colo de ninguém os efeitos de suas causas, as consequências de suas escolhas. Ela deixou de ir ao cinema inúmeras vezes e talvez não seja tão culta, embora saiba muitíssimo bem sobre behaviorismo. Ela educou dois filhos e não morreu ao mesmo tempo.

Mas não está feliz. A personagem de Patricia Arquete está tão infeliz quanto eu às vezes estou, e eu não seria capaz de ser como ela. Mas ela? Ah, ela foi lindamente capaz de ser como ela. Mas não, não está feliz. Porque não há ninguém feliz, não há ninguém satisfeito, salvo honrosas exceções, já disse ali em cima, e essas exceções são aquelas que se sustentam com a cerveja nossa de cada dia, o escitalopram nosso de cada noite ou a religião nossa de cada esquina.

Mas é um belo filme. Mesmo que em algum ponto o Mason adolescente pergunte: what's the point? E o pai, o Ethan Hawke, diz: sei lá. O objetivo é talvez o improviso. Isso ele diz.

Donde deduzo que: a vida é jazz.




segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

vazio

te coloquei dentro do meu vazio.
mas o meu vazio ficou largo em você.