quinta-feira, 16 de junho de 2016

que vida é essa?

que vida é essa, hein? que vida é essa em que quase não se dorme por dias semanas meses, só pra ganhar uma grana duas granas três granas pra conseguir uns selfies com neve ou vulcão ou selva atrás e dizer que tá de férias mas, se piscar, elas acabam? mas que vida é essa, agamben? fala pra mim.

parasita

minha língua continua hospedeira de um gosto de cobre. moléculas estrangeiras se espraiam na minha boca, angústia parasita que sabe de cor a cartografia de túneis orgânicos insuspeitos. o bicho sobe do peito à garganta, instala-se na saliva espessa, forma cuspe azedo que, se calhar, lanço no chão gelado. azia é a roupagem de um drama que falho em nomear.

eu, no melhor dos mundos possíveis

a, os relógios seriam brandos, as rupturas, amenas. No melhor dos mundos possíveis, não haveria, no fim do dia, essa sensação de que falta muito para alcançar tudo o que falta, porque tudo o que falta não seria tanto assim e estaria sempre ao alcance da mão. No melhor dos mundos possíveis, não haveria um governo golpista, e ainda que houvesse um tal de Temer na presidência do país, ele seria digno o suficiente para respeitar sua condição de interino. Mas dignidade nunca foi o forte de quem conspira. E, que eu saiba, ainda não pisei no chão do melhor dos mundos possíveis.

gramática do fracasso

a gramática do fracasso estava ali mesmo enroscada no pão com ovo que a esquina oferecia generosa. perambulava por ela como se vírgulas não causassem tropeço, como se pontos não causassem engasgos. era apenas isso que almejava: uma gramática sem finalidade. um pão murcho que só se come na esquina.

fracasso

é o aço do fracasso o que entope a goela nua. tusso. é erro crasso tentar. continuar. vilipendio minha sola do pé toda vez que ando. raspo a pegada do chão ralo. cuspo meu passo e manco. engulo o choro rascante ácido. paro. olhos bordejam o fato. pulmões inférteis sem ar.

cheiro

é tão bonito o cheiro do café.

asfalto

sai da consulta com a dor alojada entre as costelas e nenhuma possibilidade de seu escoamento. a dor não é líquida, é substância gasosa, alastra-se por itinerários corporais impensáveis. é hábil na locomoção visceral, descobre atalhos, aprecia curvas. e traz maus presságios, nunca se esgota nela mesma. sai da consulta e se perde pelas ruas de copacabana como se nunca tivesse pisado nesse chão. o asfalto é seu refúgio.

luva

estou de acordo comigo mesma. sem combates quaisquer, por enquanto. cabendo como uma luva em mim.