terça-feira, 21 de julho de 2009

Os trinta anos

Daqui a dois dias a menina ali sentada e digitando ia fazer trinta anos.
Menina?
Daqui a dois dias a moça ali sentada e digitando ia fazer trinta anos.
Moça talvez.
Daqui a dois dias ela, ali sentada - e digitava - faria trinta anos e começaria a ler Balzac.
Que ninguém a visse assim translúcida. Era um horror. Agitavam-se nós na garganta e nos ouvidos. Ela sentia ecoar um grito que nunca deixara de ouvir. Porque:
Dali a dois dias a moça com raivas de velha ia fazer trinta anos. E digitava.
Porque não queria e queria muito. E não sabia o quê. Queria ultrapassar os quarenta, logo, se pudesse. Mas a proximidade dos trinta não ajudava. A astróloga desconhecida anunciara um retorno de Saturno. Ela não queria Saturno de volta e então era por isso todo o seu amargor? Todo o desespero?
E nisso ela digitava. Para tentar não lembrar muito bem. De quê? Bem, faltavam dois dias. Ou menos até. Um dia e algumas horas. Para? Os trinta anos. Era aquilo que a esperava. E ela não queria esperar mais.

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