domingo, 7 de março de 2010

o comprimido

Tinha que ser assim tão doloroso o processo e o caminho e o conflito de produzir uma síntese de si mesma? Quando chegasse lá - no resultado - a dor diminuiria? E valeria a pena o resultado? Existiria, em algum momento, o resultado? E aquelas sensações inteiramente novas que vinha sentindo há tantas semanas, elas cessariam?

Por que não conseguia mais estar consigo mesma? Assim, numa tarde nublada, de vento azulado, de quietude nas ruas que podia enxergar da janela, não conseguia mais estar apenas com sua própria companhia. E se era noite de sexta ou sábado, aí sim é que seria insuportável.

Aquele tema da busca era um clichê dos mais antigos, mas era esse o tema e era essa a síntese. Ou, melhor dizendo: a síntese passava por esse tema clichê e inexorável. Por isso ela não se incomodaria de sair de casa às dez da noite e zanzar, sozinha que fosse. Sabia as ruas, os degraus, as vielas, os bares. Sabia quem encontrar em cada lugar e conhecia a possibilidade de não encontrar ninguém. E aquelas pessoas que ela encontraria eram como cerveja. Só serviam para o momento em que o líquido estivesse no copo e alguns minutos seguintes. Pois no outro dia ela continuaria achando insuportável estar consigo mesma, na quietude, no vento arroxeado quase, no domingo esvaziado.

Não. Definitivamente.
O melhor era tomar o comprimido.

2 comentários:

Tatiana Branco disse...

Esse seu texto me remete quando eu tinha 20 anos e saía de uma noitada (durante a semana) na Bunker.

Eu tinha que ir para um dos meus 200 estágios. Passei em casa, tirei a roupa preta que deu lugar a um blusa básica, jeans e jaleco (branco, bem branco!). Mas a minha noite foi essa "síntese do vazio". E minha volta ao amanhecer foi o maior sentimento de culpa e arrependimento (mas não sei ao certo do quê, não tinha feito nada de errado).

Tatiana Branco disse...

Eita!! Daqui a pouco escrevo um conto sobre o meu comentário!