domingo, 7 de março de 2010

o comprimido

Tinha que ser assim tão doloroso o processo e o caminho e o conflito de produzir uma síntese de si mesma? Quando chegasse lá - no resultado - a dor diminuiria? E valeria a pena o resultado? Existiria, em algum momento, o resultado? E aquelas sensações inteiramente novas que vinha sentindo há tantas semanas, elas cessariam?

Por que não conseguia mais estar consigo mesma? Assim, numa tarde nublada, de vento azulado, de quietude nas ruas que podia enxergar da janela, não conseguia mais estar apenas com sua própria companhia. E se era noite de sexta ou sábado, aí sim é que seria insuportável.

Aquele tema da busca era um clichê dos mais antigos, mas era esse o tema e era essa a síntese. Ou, melhor dizendo: a síntese passava por esse tema clichê e inexorável. Por isso ela não se incomodaria de sair de casa às dez da noite e zanzar, sozinha que fosse. Sabia as ruas, os degraus, as vielas, os bares. Sabia quem encontrar em cada lugar e conhecia a possibilidade de não encontrar ninguém. E aquelas pessoas que ela encontraria eram como cerveja. Só serviam para o momento em que o líquido estivesse no copo e alguns minutos seguintes. Pois no outro dia ela continuaria achando insuportável estar consigo mesma, na quietude, no vento arroxeado quase, no domingo esvaziado.

Não. Definitivamente.
O melhor era tomar o comprimido.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Você achava dizia e pensava

Você achava que estava no domínio da situação mas o outro é sempre uma incógnita maior do que você poderia medir ou avaliar. Você achava que seria bom dali pra frente, mas toda vez é uma estranheza mais alargada do que antes se mostrou. Você pensava que, se no início não era paixão, depois poderia se transformar em algo agradável. Você gostava da companhia dessa mesma pessoa há sete ou oito anos atrás, quando não a conhecia bem. Você gostava da companhia desse mesma pessoa quando não estava a sós com ela. Você de repente tem medo de falar o que pensa e ser mal-interpretada e ofender e irritar. Você sabe que agora você não é mais como era e não se leva mais tão a sério. Você não sabe se isso que você produz agora - se essa síntese de si mesma - é o melhor caminho, mas tem sido o único possível. Você tosse dia e noite sem parar e tem medo do que isso possa significar. Você achava que valeria a pena e continua achando, porque o Fernando Pessoa disse que, não sendo a alma pequena enfim. Você pensava que poderia ir levando mas é o vento frio de março que te leva pra cama, pra febre, pras dores. Você acorda porque os pensamentos não te deixam mais dormir e você dormiria bem mais, mas bem mais! Você não sabe muito bem o que você quer pensar e se quer pensar. Você digita Marcelo Adnet no youtube pra dar umas gargalhadinhas antes de enfrentar o dia. E você conclui que nunca ninguém está no domínio nem de si mesmo.