sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Linhagem


Antuérpia, que odiava seu nome, acordou de saco cheio. Arrastou-se o dia inteiro em cima de um sono sem origem. Bebeu café, antes das três horas, e se sentiu emergindo da bancarrota. Chegou a comentar com sua mãe, Petra, que também não suportava seu nome:

Esse café me salvou da bancarrota.

Petra não entendeu o comentário da filha, mas acreditou que o café que tinha feito estava a gosto. Pensou em perguntar, Antuérpia, minha filha, você sabe o que é bancarrota? Até formular a pergunta, demorou-se na indecisão.

É falência, não é, mãe? Sinto-me falida, vivendo uma espécie de bancarrota existencial ou espiritual, não sei bem.

Petra entendeu bem. A filha completou dizendo que era algo do dia, aquele dia, nublado, feriado, mortos, chuva, biorritmo, constelação astral, não sabia bem os porquês. O fato é que o café a revigorara. Uma leve pressão sobre a cabeça - que até poderia se transformar numa enxaqueca mais tarde - sumiu após o benfazejo líquido escuro.

Depois foram se sentar ao lado da vovó Lupicínia, que também provara do café, que também se sentia emergindo de uma exaustão sem causa e via televisão sem meta e destino. As três, na sala, sentiam-se bem, às cinco e meia da tarde.

Vovó Lupicínia nada dizia em geral, mas também não tolerava o próprio nome.

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