quinta-feira, 23 de maio de 2013

Diálogo (para o Caneta, Lente, Pincel)

Você me pergunta se existe uma alma. Você me pergunta se além da alma existe a mente. Se existe, o que é a mente, você questiona, onde ela fica? Você quer saber se é possível apontá-la. A alma ou a mente? Qualquer uma, você diz, cismado.
Você me pergunta se existe uma coisa chamada morte. Eu retruco perguntando da vida, você nada diz. A gente fica se olhando, você, casmurro, eu, idiota, e ninguém tem a resposta. Segundos se passam, alcançamos os minutos, a vida, se flui, não é aqui, nessa sala de janelas fechadas. A vida, se flui, é lá fora.
Você me pergunta se o corpo é separado da alma, você me pergunta se Descartes pensava. Eu digo que sim, claro que sim, Descartes pensava. Você me diz, óbvio, óbvio, óbvio, que então ele existia. Você me pergunta se prefiro Jesus ou John Lennon, eu te pergunto se minha vida vale a pena, você não sabe se me diz a verdade. Você quer dizer alguma coisa, balbucia, engasga, o refluxo te condena a me dizer o que não quero ouvir.
Você pensa num lugar onde foi há muito tempo (havia um rio, havia grutas, o céu espiava com cores de outra ordem) e se pergunta, sem nada me dizer (eu adivinho, sei de tudo) se o lugar existe enquanto você não está lá. A isso não sei responder, sou sincera. Levanto outro assunto e afirmo logo que prefiro Platão a Aristóteles. Você diz que prefere Jung a Freud, eu teço comentários sarcásticos a respeito da sua mãe, você prefere não dizer um palavrão. Novamente o silêncio nos faz ponderar nossas vidas, nossas mortes, nossas vidas-mortes-severinas.
Eu recito um poema de Fernando Pessoa, você rebate com os bichos escrotos dos Titãs. Um suspiro escorrega para fora de mim e não há como recolocá-lo em seu lugar. Um soluço pula fora de você. Novamente, nenhuma conclusão. Acordo algum. O silêncio nos prefere.
Eu existo minha pergunta, você descarta sua resposta. Não sabemos o que dizer um ao outro, mas, quando me levanto, cansada, digo que sei o que fiz com a minha alma. Sei onde ela está, sei o que dizer dela, há uma palavra que se pode atribuir à alma, ela existe, mesmo que sua substância me ultrapasse. Digo que sei o que fiz com ela e que, se se pode falar dela, ela é.
Você pergunta: O que ela é? O que você fez com ela?
Digo, sem acanhamento, que minha alma está retorcidinha, espicaçada, picotada, digo que minha alma, por mim desfigurada, já não é ninguém sem mim. Eu a pisoteei sem dó, e agora ela está debaixo dos teus pés.  

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