quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

o que te resta?

Se ele soubesse gritar, ele gritaria. Se soubesse xingar, não hesitaria. Se ele tivesse como esmurrar, esmurraria. O que quer que fosse ele esmurraria. Se tivesse destreza em retorcer e fazer picadinho, não duvide de que ele retorceria e faria picadinho. Sem pestanejar. E sem arrependimento. Se ele soubesse se vingar, vingar-se-ia sim. Se ele soubesse ofender e assassinar, assim como quem mata metaforicamente faz muito mais estrago do que um homicídio concreto pode causar, ele ofenderia três mil vezes mais um e assassinaria n vezes contanto que n fosse maior que um zilhão. E se ele soubesse riscar, produzindo sangue, eu não julgaria que ficaria só na ameaça. Se cão que ladra não morde, ele partiria pra mordida sem ladrar, caso soubesse morder.

Mas o que ele sabia fazer? Gritar, ele não sabia. Não tinha voz. Nem mesmo sussurro ele era capaz de produzir. E era uma dor o que sentia - e era incomensuárvel aquela dor - quando ele tentava gritar ou sussurrar e o que saía era um bafo sem cheiro. E xingar ele também não sabia, porque dependeria de voz e de vocabulário. Ele também não sabia esmurrar, porque não tinha punho. E também não tinha mãos e movimentos finos e grossos para retorcer e em seguida produzir o picadinho daquilo que foi tão bem retorcido como um quadro do Francis Bacon. Ele tampouco sabia se vingar, pois para isso era preciso raciocínio e frieza, e ele jamais possuira um cérebro e tampouco temperatura. Ofender e assassinar também estavam fora de seu alcance, pois era preciso ter corpo e palavras, e ele não tinha voz, gramática ou corporeidade. Riscar também não sabia, pois já vimos que era desprovido de punho e mãos. E ele não mordia porque não tinha boca, dentes, caninos, saliva. Ele não tinha fome.

E o que restava a ele?
O desprezo. Se soubesse desprezar.

Um comentário:

Tatiana Branco disse...

gostei pra caramba do livro!!

quero um dia, ir para ver a dinâmica da coisa!

tb não sabia do seu blog! já adicionei no meu!! beijos!