domingo, 3 de janeiro de 2010

Olhos vidrados mais uma vez

Se ela queria?
Aqueles olhos vidrados novamente. Um pouco menos, mas olhos vidrados sempre se tornam cada vez mais vidrados. O que você vai fazer no banheiro no intervalo de tudo, que volta com os olhos mais vidrados ainda?
Mas ele estava envergonhado. Quando avistou Ana Luísa e Vitória, sorriu tímido. Pegou as mãos das duas, uma por vez, beijou-as e não se aproximou. Ele sabia que as havia assustado uma semana antes, mas elas sabiam que ele não era má pessoa. Apenas que tinha os olhos vidrados e quando começava a falar não parava mais. Além de tudo, arregalava aqueles olhos e se sentia discriminado e falava mal da polícia, dos bandidos, dos burgueses, dos flamenguistas e dos ladrõezinhos da Lapa. Apesar daqueles olhos, ele era vegeteriano. E tocava bateria, mas foi expulso da banda, justamente porque olhos vidrados beiram o descontrole quase toda noite.
Agora Ana Luísa e Vitória estavam com amigos. Inclusive alguns que haviam conhecido naquela mesma noite. Pois não tinha jeito: toda vez que saíam, conheciam várias pessoas dos mais variados formatos e das mais diversas embalagens. Era engraçado de uma certa maneira, pois algumas se transformavam em continuidade, ainda que curta. E ficaram ali conversando, enquanto o homem dos olhos vidrados papeava com outras pessoas por perto. Mas a música ia melhorando cada vez mais, enquanto as duas amigas dançavam, felizes. Até que ele puxou a amiga e dançaram e não teve jeito, ele tirou Vitória para dançar. Ela gostava de homens que sabem dançar. Homem havia que ter pegada e havia que ter um certo rebolado e aquele homem tinha. Apesar de as ter assustado sete dias atrás, agora ele estava suave. E dançaram. Bastante. Mais de uma vez. Mas os olhos dele não tinham cura: ficavam vidrados, cada vez mais, e junto com aquilo, uma fala que não se interrompia, um fluxo de idéias que não estagnava, e um certo desespero também. E aquele desespero era o que havia de mais assustador nele.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parece que o cara era um mala. Seu único mérito foi ter rendido um bom conto.