quarta-feira, 21 de maio de 2008

Ínfimo Texto (ilustração de Johandson Rezende)










Perto de casa, não havia paradeiro. Fui pra longe, na intenção de descobrir o que de mim se esvaíra. Era um dia para todos, para tantos, para tudo. Era um dia em que se espraia o sumo de cada ser que não se ausenta da vida.

Mas eu corria, pois me perdera do caminho que levava à minha casa. E corria porque correr era mais seguro do que parar. Topei com a pedra, e com o poste, e com o pasto. Contornei os obstáculos e dei de cara com uma moita rechonchuda. Era um gato branco, felino estático, rabo instável, também perdido, também autômato.

Anonimamente entrei no primeiro táxi que resolveu me reconhecer como existência perdida e fazendo sinal. No volante, o ser de bigode era um personagem que saíra de um filme de dois anos atrás. Que dia é hoje? O motorista bigodudo não cobrou a passagem, desligou o taxímetro, estava perdido tanto quanto eu e me propôs que eu fosse sua guia. Nada se concatenava com nada, ele queria que o guiasse, eu?

Disse-lhe, velozmente, antes que não houvesse escape: Mas eu não sei onde me encontrar, como poderei te levar? Ele, impaciente, respondeu: E você, não reconheceu que tirei o bigode? O que enxerga para além desses seus óculos embaçados?

O motorista que já não tinha bigode (segundo me revelou) soltava atrás de si migalhas de pão carcomido que permitissem a volta do táxi ao ponto de partida. Onde estávamos? Eu não sabia para onde ir e corria, e o motorista sem bigode corria também, e a moita rechonchuda espreguiçava-se, muito pouco preocupada com o dia de amanhã. Era um gato imprudente e descansado, enquanto eu ofegava na corrida. Uma nova semana estava prestes a começar e topei com um relógio apitando as horas.

Onde estava meu amigo taxista? Agora eu era solta no mundo, avulsa nas ruas, correndo ao redor de mim mesma, eu era aquela, perdida, continuava esbaforida, a passos ágeis, tentando encontrar o ponto de final de cada ínfimo texto.

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