terça-feira, 27 de outubro de 2009

breu

Quando Rogério abriu os olhos...
horizontal, ele continuava na horizontal.
Mas não era a sua cama o que havia de suporte. Nem o chão. Era a cama de Maria. A irmã. Que nem sonhava que era constante o fato de ele imaginar um tiro que acabasse com tudo e trouxesse um breu.
Maria o levantara, sabe-se lá como, pois era esguia que só ela. "Mirradinha", como dizia o ex-namorado tentando conquistá-la há anos atrás. Mirradinha, mas com força, isso sim. Com personalidade. Forte. Tanto que o irmão, o Rogério, não iria dizer para ela jamais em sã consciência - e sua consciência costumava ser sã - que imaginava um tiro, um estrondo e um breu, sem penduricalhos de imaginação (não, não, ele não imaginava choro, ele não imaginava vela, ele não pedia uma fita amarela guardada com o nome dela). Ele não diria à sua irmã, Maria, pois ouviria dela um sermão longuíssimo e irritado desfiando todos os quês, porquês e saquês das opções pela vida e pela morte. E ele não conseguiria um espacinho sequer para dizer que não se tratava de vida e morte e sim de claro e escuro. "Tá tudo muito claro, minha irmã, eu quero um pouquinho mais de escuro". E ela replicaria: "então, é disso mesmo que estou falando!". Ela achava que tudo era metáfora, mas para Rogério, apesar de não parecer, era tudo mais concreto: estava tudo muito claro mesmo e o tiro proporcionaria breu. Um pouco mais de breu. Ainda que eterno.
De fato, ele desmaira às 11h38 e agora acordara na cama da irmã, que o olhava, e ele não imaginava que Maria não tinha nada a dizer. Que horas seriam agora?

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