terça-feira, 20 de outubro de 2009

Preferências de Maria

Maria preferia escrever a comprar roupas. Embora tivesse prazer comprando roupas. Às vezes. Pois nem sempre dava certo comprar roupas. Assim como nem sempre dava certo a programação do fim de semana. Escrever também não era sempre que dava certo. Mas o maior problema de Maria era achar-se estranha por preferir escrever a comprar roupas. Também não gostava da fazer as unhas, preferia roê-las. Eram mais prático, embora de efeito estético duvidoso. Maria sentia-se mal de não gostar de fazer as unhas e de não apreciar sapatos. Não desgostava de sapatos, mas estes não eram objetos aos quais dedicava grande valor e atenção. Preferia outros objetos. Por exemplo... por exemplo... eu diria que... o que, mesmo? Maria nem lembrava que tipo de objetos gostava. Não eram vestidos. Nem mesmo colares. Brincos, às vezes. Ah, sim! Livros! Preferia os livros aos vestidos. E achava-se verdadeiramente esquisita por preferir os livros aos vestidos. E também não tinha problemas de se desfazer dos livros de tempos em tempos, quando achava que os tinha ultrapassado, àqueles, dos quais ela se desfazia, raramente se arrependendo. Maria se desfazia pois já não estava no mesmo nível deles. E dizia aquilo para si mesma não como um ato de arrogância. Fez o mesmo com os brinquedos, quando tinha lá seus dez anos, e se desfez de alguns deles, só alguns, deixando outros. Os que mais duraram haviam sido os Playmobis e as Barbies. (Não duvidava de que, se encontrasse um Playmobil agora, qualquer que fosse, sentaria e brincaria um pouco, no mínimo por um minuto!) Mas havia um momento que não gostava mais de panelinhas e não era arrogante por dar as panelinhas a qualquer outra pessoa, que gostasse mais, assim como não era arrogante por dar O Mundo de Sofia, embora reconhecesse seu valor. Maria era assim. Cheia de nóias.

Um comentário:

MauriciodeAssis disse...

A “nóia” do processo evolutivo que nos faz excêntricos para alguns (a maioria) e emancipados para outros (a minoria). Ou será que passar toda a vida na mesma rotina de trabalho, família e final-de-semana feliz não seria uma maneira típica de se agarrar a panelinhas e os Mundos de Sofia afora? Mesmo com toda sua falta de sofisticação, um simples e inarticulado boneco de Playmobil sabe que o preço de trocar vestidos e sandálias por livros é muito alto...