sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Por que assistir a Táxi Teerã, do iraniano Jafar Panahi?


O novo filme do diretor iraniano Jafar Panahi (O Balão BrancoCortinas Fechadas) é um emblema de como criar estratégias para dar continuidade àquilo que deve ser feito, mesmo que uma proibição estapafúrdia o queira impedir.
Panahi, condenado à censura em seu país, primeiro não pôde filmar e sair de casa. Havia contornado o problema filmando Isto não é um filme (2011), que tematizava exatamente o impedimento de uma potência de vida, muito mais forte por conter a proibição da própria vida somada à proibição da criação que, neste caso, é o único ofício de um homem, o sentido de sua vida. Proíba um escritor de escrever, proíba um desenhista de desenhar, proíba um cuidador de cuidar, proíba qualquer pessoa de falar, e veja o que acontece. Proíba um cineasta de fazer filmes e ele fará Isto não é um filme, como é o caso de Panahi, que, com isso, conseguiu veicular sua história para além das fronteiras rígidas de seu país.
Com Táxi, ele pode sair, circular, interagir, ver a cidade, retomar os percursos de vida que qualquer um tem a cumprir (e quer cumprir), e aproveita para criar um filme interessante, que se apresenta como um documentário, inicialmente, para, não muito depois, mostrar-se novamente um filme metalingüístico que coloca em questão sua definição, mas que, em aliança com o espectador, define-se claramente como ficção. Uma singular ficção.
Assim, o diretor improvisa um táxi e, pelas ruas de Teerã, vai pegando passageiros aleatórios para, na seqüência, transportar pessoas conhecidas. São encontros interessantes, rápidos e cômicos. São encontros fortuitos plenos de mensagens, com referências a filmes do próprio autor e a dilemas do país.
Uma discussão política, um vendedor de filmes piratas que questiona o próprio filme em que é personagem (real ou fictício?), um acidente e a quase-morte, mulheres absurdas transportando um aquário caricato com dois peixes, mulheres essas que devem cumprir um determinado ritual que, se não for realizado, pode significar a morte de ambas (referência a O Balão Branco). E uma mulher bonita, advogada, que carrega flores bonitas para outras mulheres, presas por tentarem ir a um estádio. Antes de partir, ela deixa uma rosa no táxi de Panahi e a dedica a todas as pessoas que amam cinema. A rosa, a partir daí, vira a moldura da tela no itinerário final do táxi-filme, cuja câmera volta-se para as ruas que estão sendo percorridas, mostrando agora a visão do motorista.
Nesses caminhos percorridos pela câmera, Panahi levanta alguns problemas essenciais: a censura na criação de filmes no país (que representa a censura em todos os outros âmbitos da expressão e da comunicação humanas), a situação das mulheres iranianas, a excessiva e adoecedora crença religiosa, as proibições que assolam o país, as punições direcionadas àqueles que burlam as regras e as formas que são encontradas para delas (das proibições) escapar, quais sejam: greve de fome, filme no táxi, venda de filmes piratas e por aí vai.
Desse modo, o filme mostra, sem precisar escancarar sua temática, a questão básica da ausência de liberdade. E que diante de uma ausência maior de liberdade política e coletiva, é a liberdade interior, de pensamento e de afetos, de sua expressão, da fabricação de subterfúgios que propiciem sua veiculação, é justo essa liberdade interior o que pode construir microcosmos de pequenas liberdades que permitem que a vida se sustente tolerável entre uma proibição e outra. Que se sustente, acima de tudo, vivível.
E é por essas razões e pela veia política de Panahi, uma marca que acompanha o diretor há algum tempo, que devemos assistir a esse interessantíssimo Táxi Teerã, que levou o Urso de Ouro no último Festival de Berlim. E também por sua cena final, que enfatiza o fato assustador de que a liberdade de expressão é sempre algo que se pode perder quando menos se espera, em qualquer lugar, quando nem se pode imaginar, e não apenas no Irã. Talvez pudéssemos pensar que a perda iminente da liberdade seja um aspecto inerente ao conceito geral de liberdade. Liberdade é aquilo que sempre pode nos ser tirado.

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