domingo, 27 de dezembro de 2009

e essa gente toda?

E o que dizer dessa gente mais do que maluca que passa por aí, esbarra em você, fala mil coisas e quase não te deixa se manifestar e nada te pergunta e te oferece cerveja para que você possa ouvir ainda mais?

Olhos vidrados. Sem piscar. Sem desviar o globo ocular. Olhos vidrados, sobrancelhas levantadas, movimentação de braços, de ombros, de corpo. Ele não era feio. Falava "estrupo", mas tinha lá seu charme. E uma boina colorida e listrada. Era a segunda vez que Ana Luisa e Vitória viam aquele homem que parecia um ator não tão global, coroa, qual o nome mesmo? Aquele ator... Chico... Chico... Chico o quê, mesmo? Ela não lembrava o nome, mas era igualzinho a ele, e olhos vidrados, sem piscar, globo ocular perseguindo globo ocular, palavras, palavras, palavras. Um sotaque gaúcho e paulista ao mesmo tempo, histórias do Morro dos Prazeres, ele era o baterista da banda que se apresentava numa esquina da Lapa e falava muito. E, de repente, após os discursos longuíssimos que misturavam tudo e mais um pouco, um insight tomava conta daqueles olhos vidrados: "Ih, tô igual a uma metralhadora, gata, tá tá tá tá tá tá tá, cuspindo um monte de história aqui, meu camarada até se assustou comigo, foi mal aí, vou pegar uma cerveja, e eu nem sei de quem eu gostei mais, acho que estou apaixonado por vocês duas, já volto!". Ana Luisa e Vitória entreolharam-se divertidas, mas e aquele olhar vidrado? E ele voltou, bem depois, após o segundo momento, e estava com os olhos ainda mais vidrados, e falando ainda mais seguidamente, querendo ensinar o reggae jamaicano, mostrando marcas de bala numa perna, na outra perna, mostrando os dentes quebrados por causa de soco de polícia, e isso porque ele já tinha contado dos presentes de natal que havia dado para as crianças da favela, e isso porque já tinha contado que haviam feito um show em Campos naquele mesmo dia à tarde, e isso porque já as havia convidado para conhecerem sua casa e a cachoeira em Santa Teresa, e dizendo ainda: "vocês se trancam lá no quarto, não vai ter problema nenhum, ninguém vai abusar...". Ninguém vai abusar? E quem falou em abusar?
Ana Luisa e Vitória ainda conversaram com mais várias outras pessoas que estavam por perto, inclusive a Marli, garçonete de seus 38 anos, muito simpática, que fazia propaganda da noite de jazz que havia naquele bar-boteco às segundas-feiras. Também uns gringos irlandeses e franceses muito suados que queriam tirar uma foto a qualquer custo e depois se mandaram, sorridentes e cantarolando. E também com um hippie argentino que fazia lindos trabalhos em arame dourado, formatos de Cristo Redentor e coração e outras coisinhas bonitinhas e fofinhas. E também com um cinegrafista com dreads aloirados que falava sobre cinema e lembrou da novela que passou na tv manchete há anos e anos e anos atrás. Eram tantas as pessoas e tão divertidas as histórias e tão vidrados alguns olhares que Vitória e Ana Luisa, ainda que não quisesse admitir, sentiam certo medo.

E quando o cara voltou, pela terceira vez, seus olhos ainda mais arregalados e parados e famintos, querendo capturar qualquer atenção alheia: intensificava agora sua metralhadora verbal, contando histórias inverossímeis, embora verdadeiras.
O que dizer dessa gente doida que fala sem parar e não te deixa respirar?

Nenhum comentário: