terça-feira, 8 de dezembro de 2009

tapando os ouvidos

De início ela não sabia porquê, mas precisava sair correndo dali. Deixar pra trás o quanto antes aquele lugar, que era compacto, pesado, concreto, quase que o ar do ambiente comprimia sua pele. Já na rua, o suor abundante fazia com que sentisse sua camisa molhada e algumas gotas escorrendo pelas costas. Ela precisava se distanciar ao máximo dali, pois ainda conseguia ouvir os ecos, os ecos! Aqueles ecos transtornavam sua audição e deixavam um zumbido rastejando atrás. Doía-lhe a cabeça, bem ali na altura da nuca. Colocou a mão no local da dor e massageou de leve. Tinha que ir embora daqueles zumbidos e ecos, esconder-se de modo enroscado atrás de alguma moita plausível. É que as opiniões daquele garoto que não passava dos vinte e seis anos invadiam-lhe e achatavam qualquer senso de compreensão e paz, provocavam rupturas sucessivas em qualquer cadeia de pensamento que ousasse forjar sozinha e não compartilhar com nenhuma outra alma. Ele desmontava seus elos! Queria estar ao menos uma vez retilínea consigo mesma, aprumada num certo eixo de silêncio, mas eram opiniões invasivas e definitivas, e aquelas opiniões, todas juntas e intrincadas, expulsavam-na de si e de qualquer outro suporte. Por isso - agora, a posteriori, ela era capaz de enxergar - ela precisara sair correndo dali, catando os cacos que, atados, impediriam que se espalhasse sem retorno. E o pior é que continuava precisando se distanciar, pois tinha medo de que aqueles ecos a alcançassem e provocassem novas e irreversíveis rachaduras. Estava agora a quatro quarteirões, mas ainda sentia o cheiro de tantas idéias tão bem amarradinhas. Era tudo muito certeiro no modo como ele, de não mais que vinte e seis anos, organizava suas idéias. E ele falava alto, com aquele tom meio afeminado que lhe era característico, com aqueles gestos meio bamboleantes que eram inconfundíveis nele, com aquele lápis no olho que se sabia muito bem que havia usado. Não, não, não! Ela queria sair dali e agora se encontrava a seis quarteirões daquele recinto onde não cabia mais voz nenhuma, que dirá seu corpo. Era tudo final, correto e sem dúvidas na forma como aquele rapaz dizia o que achava e ela não agüentava, não suportava, ela não queria mais ouvir!

Um comentário:

danielle schlossarek disse...

Adoro esse ritmo apressado da narrativa. Me lembra o seu "testemunho". Bom pra ler alto.