quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Hoje não é ontem.

Marla e Tomás no ônibus, segunda-feira:
- Então, amanhã vou passar na sua casa 19h30, pro evento, ok? Só não chego antes porque você fica vendo aqueles vídeos chatos intermináveis no computador com seus amigos... E vou ver se levo o novo livrinho de contos que acabo de fazer, pra gente dar alguns pro pessoal do evento, né?
Tomás responde:
- Ah, eu também queria levar o meu pramanhã, mas não deu...
Aproxima-se o ponto de Marla, ela salta, despede-se com um 'até amanhã', já havia dito antes que não queria gastar celular para marcar tudo a toda hora. Estava combinado.

Marla, terça-feira:
Às 18h ela chega em casa do trabalho, cansadíssima, exaurida, desde às 7h de pé e andou pra cima e pra baixo hoje. Toma banho, janta, se arruma, separa os livretos, não telefona pois já está marcado. Pega o metrô ouvindo música, apóia-se na janela e sente o corpo pesando, os olhos fechando. Está exausta e até se justifica dizendo que está ali porque não é todo dia, nem sempre tem um evento.
Salta em Copacabana, dirige-se ao apartamento de Tomás, dali seguirão para o evento. Quando entra na portaria, o porteiro já diz que acha que ele não está.
Ela sobe o elevador com as gotinhas de suor de quem está perplexo, será isso mesmo??? Porteiros são bons observadores... Antes de chegar ao andar, disca para Tomás, que atende.
- Onde você está?, ela pergunta, temendo a resposta, o corredor ecoando sua voz ilimitadamente.
- Na casa do Jonathan.
- Na casa do Jonathan? - e Jonathan morava num bairro que não tinha nada a ver nem com o dela, nem com o de Tomás. Marla demorara 40 minutos no metrô, e se quisesse agora ir para a casa de Jonathan, demoraria uma hora e meia de ônibus no mínimo. - Mas Tomás, a gente não combinou? Estou chegando na sua casa agora... - ela dizia incrédula e querendo esganar um.
- Ah, mas eu tinha que vir pra cá fazer o final do trabalho pra entregar amanhã, estou muito enrolado, não vai dar tempo, hoje ficou muito confuso... - ele diz sem paciência.
- Tomás, mas a gente combinou ontem! Você tinha que ter me ligado pra dizer! A gente combinou ontem!
E, enquanto Marla apalpava as paredes para ver se estava acordada, se o mundo era concreto, se havia uma realidade e aquilo de fato acontecia, se estava ali e se havia mesmo percorrido todo aquele trajeto, se a voz era de Tomás e se era mesmo aquilo que ela ouvia o que ele dizia, enquanto tudo isso se passava, Tomás respondia, voz impaciente e certo de si:
- Mas hoje já é outro dia.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Ela dizia, ninguém ouvia

A gente saber o que a gente quer é a coisa mais difícil do mundo.
Não espere de mim saber o que eu quero.
Nem sei se quero estar aqui agora neste palco blog.

Isso ela dizia com a luz ofuscando tudo o que não era ela. Na platéia, ninguém olhava. Vuvu dormia, Choquito ronronava, Lili Peteca brincava com um fiapo de tecido que se soltara da poltrona mais à frente. Johandson fazia desenho atrás de desenho sem quase respirar. Então, ela tentou de novo, agora a voz um pouco mais alta, ela sabia projetar bem a voz quando queria e quando não queria:

A GENTE SABER O QUE A GENTE QUER! HEM? É A COISA MAIS DIFÍCIL DO MUNDO! OUVIRAM?

Em volta dela, tudo como antes.