sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

ligação

- Alô?
- Sim?
- Sou eu.
- Oi...
- Tudo bem?
- Indo...
- Indo bem?
- Mais ou menos...
- Quando chega?
- Em breve.

ou... poderia ser assim:

- Alô?
- Alow!
- Sou eu.
- Ah, oi...
- Tudo certo?
- Tudo indo.
- Indo aonde?
- Não sei bem.
- Indo bem?
- Não sei bem.
- Chega logo?
- Aonde?
- No lugar para onde você está indo.
- Mas não estou indo. Estou parado.
- Ah, pensei...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Um mês e meio - parte 3

(Continuação da postagem de 20 de novembro)

Beatriz chegou pra Roberta, outro dia, na Lapa, e disse:
- Amigaaa! E Roberta arregalou os olhos verdes que andavam combinando com o brinco (caso pensado ou não), olhos esses principalmente arregalados porque Beatriz não era de dizer "amigaaa" e menos ainda naquele tipo de palpitação. Beatriz disse então: - Falta um mês e meio! Um mês e meio para o ano acabar. Sabe lá o que é isso?
Roberta, após fazer as contas, disse: - Acredito que quarenta e cinco dias...?
- Significa que uma nova era vai começar, e não é de Aquário não! E eu vou fazer um mapa astral, você conhece alguém pra me indicar, já liguei pra alguns, estou indecisa...
Roberta já tinha feito mapa astral, embora não tantos quanto Luísa. Gostava da coisa, mas era menos aficciona. Pegou imediatamente seu celular e deu o telefone de sua astróloga para casos emergenciais e Beatriz guardou bem guardadinho na agenda. Faltava um mês e meio e antes disso ela precisava marcar seu mapa astral e ver se aquilo que ela achava ia mesmo acontecer. Mesmo que fosse um tanto quanto vago o que ela achava que ia aconter - muito mais questão de afeto e coisa boa do que de definição objetiva de acontecimentos. E ela ia ligar pra astróloga e decidir qual consultar, no dia seguinte mesmo! E ver se era luxo ou lixo o que a astróloga iria dizer e se era certo ou verdade sua intuição sobre o ano que viria, 2009...

continua........

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Um mês e meio - parte 2 (continuação)

Na birosca na esquina de casa, disse à outra amiga:
- Carolina, 2009 vai ser O ANO! Escuta bem o que eu tô te dizendo: vai ser O ANO! Anota, pode anotar.
Que Carolina tinha mania de escrever muito e andar pra cima e pra baixo com uns caderninhos que, às vezes, até dentro da sala de cinema, bem no meião lá do filme bombando, ela sacava de dentro da bolsa de couro e, enxergando sabe-se lá como na sala escura, anotava alguma coisa e não mostrava pra ninguém (e olha que Beatriz já havia implorado mil vezes para ver o que a amiga escrevia, mas tudo em vão, Carolina escrevia muito, sem parar, infinitamente e tudo só pra ela).
- E por que você diz isso? - Carolina pergunta, também intrigada com a convicção da outra.
- Eu sei. Eu tenho certeza. Estou intuindo, e olha que intuição não é lá muito fácil de explicar, é mais fácil explicar o que é id, ego e superego. E até ideal do ego e ego ideal, embora esses aí sejam assim um pouquinho mais confusos...
- Sei... - e Carolina não dava crédito, abria seu caderninho, escrevia um mistério qualquer ali e o fechava, muda e brilhando nos olhos azuis.
Então, naquela de que sabia que algo de muito bom e extraordinário aconteceria no próximo ano que já se avizinhava sorrateiro, Beatriz correu pra procurar um bom astrólogo, sendo que só a Luísa deu-lhe cinco indicações, falando vantagens e desvantagens de cada um (do quanto custaria até a sensibilidade de cada um e dos acertos também, embora essa última questão não convecesse Beatriz, que contra-argumentava num piscar de pestanas: "os acertos têm a ver com a capacidade do dono do mapa de seguir as diretrizes que são implicitamente jogadas, depende da persuasão do astrólogo de te convencer, sub-repticiamente, a fazer exatamente aquilo que ele desenhou no mapa, sabendo-se ele ou não ser o autor do desenho e nenhuma instância inter-planetária maior"). Estranhamente, Beatriz achava aquilo e ainda assim queria fazer o tal mapa, queria ver se casaria com sua intuição o que o astrólogo ia dizer. E ela ia realmente fazer o mapa astral, antes que terminasse o ano.

(continua)

domingo, 16 de novembro de 2008

Um mês e meio - parte 1

Faltava assim certinho um mês e meio - um-mês-e-mei-o! - para que o ano acabasse e Beatriz andava assim com a pulga atrás da orelha com piercings e brincos, desconfiadíssima, é verdade, de que o ano que vem ia ser muito bom. E aí deu-lhe na telha da cabeça, da casa, do ofício, fazer um mapa astral. Inaugurar sua presença nesse campo das perspectivas de mundo. Ela sempre rejeitara esse tipo de atividade, que achava que mapa astral dá de criar o destino que nunca jamais em tempo algum - nun-ca-ja-mais-em-tem-po-al-gum! - existiu.
- Ô, Luísa, destino não existe. Esses mapas aí fazem com que a gente faça aquilo mesmo que o astrólogo disse que ia acontecer. Não é que tava lá já, entendeu, não é isso. Não se trata disso. O que acontece é que a gente ouve aquilo lá e cisma, cisma mesmo!, e aí vai fazendo tudo o que tava dito que ia acontecer. Sacou?
Mas a Luísa achava que não e volta e meia fazia um mapa astral, tentando convencer a amiga de que devia fazer um também, sinastria, revolução solar, mil nomes que não interessavam tanto assim à Beatriz.

Não interessavam tanto até o dia em que ela passou a cismar que o ano que vem traria muita coisa boa. E ela ia correr atrás disso para tirar a dúvida...

(Continua)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Cláusulas

Quais são as cláusulas?
Eu quero saber quais são as cláusulas!
Me diga quais são as cláusulas desse contrato de vida.
Porque nasci.
E eu não sabia de nada.
Mas há quem ache que sim, que tudo é questão de escolha, inclusive o nascimento.
Então me mostre o contrato.
Onde assinei?
Que seria assim, assim, assado?
Onde está escrito, cadê os asteriscos, eu quero os asteriscos!!!!
Esses asteriscos duvidosos são os mais traiçoeiros. E para os desavisados, eles passam batidos. É comum, muito comum aliás, eles não serem sequer notados.
Estão onde menos se espera e lá embaixo vem a legenda que explica o que eles querem dizer, mas essa legenda...?
Ah, eu te conto sobre esse tipo de legenda, eu te conto sim...
É preciso de lupa pra ler. Pra conseguir enxergar! Para ver o que tem lá!
E lá tem muita coisa, nessas notas de pé de página, nesses asteriscos que contam a realidade de uma situação que, na primeira olhada rápida, você não vê, você não atina.
Então...
Mostre-me!
Cadê as cláusulas? Onde rubriquei? Os asteriscos? Onde a lupa, para eu poder decifrar? Cadê o dicionário? Isso é feito manual, que você não entende e aprende no tapa, isso quando aprende alguma coisa?
Quero ver o contrato de vida e tudo explicadinho, item por item, que ia ser assim como está sendo...

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Mais Revolta


Hoje sou pessoa revoltada, porque perdemos a oportunidade de ter um prefeito íntegro e coerente. Hoje sou pessoa revoltada, porque estudados e informados da Zona Sul deixam de votar para talvez curtir o feriado do funcionário público, como se seu voto não fizesse a diferença. Hoje sou pessoa revoltada porque, apesar de toda a conscientização feita pela internet e outros meios de comunicação, as pessoas ainda preferem votar num candidato que coloca a Saúde como prioridade de governo mas nada entende de SUS, porque se entendesse não colocaria as UPAs como o grande chamariz da solução do acesso à saúde. Hoje sou pessoa revoltada porque outras votam no Gabeira meio irritadas por causa de suas alianças políticas, como se se pudesse traçar perfis estanques de direita e esquerda no mundo atual. Hoje sou pessoa revoltada de ver que muita gente acha que não tem nada a ver com isso e depois bota a culpa no governo. Hoje sou pessoa revoltada porque as pessoas ainda amarram a tolos estereótipos os candidatos a prefeitos e falam mal do Gabeira, chamando-o de maconheiro ou gay. Hoje sou pessoa revoltada porque, vendo o debate de sexta-feira, há quem caia nas pegadinhas e perguntas restritinhas idiotas do candidado eleito. Hoje sou pessoa revoltada porque o que mais vemos é reclamações que dizem que político é corrupto, safado e ladrão e, de repente, quando temos Gabeira, deixamos de votar por argumentos tolos. Hoje sou pessoa revoltada porque em todas as eleições me irrito com a sujeirada das campanhas e antes mesmo de se alardear que Gabeira não distribuiu panfletos, meus olhos já procuravam nas ruas para ver se os encontravam e nada de folhetos de Gabeira, enquanto que o outro, o eleito, sujou a cidade inteira. Hoje sou pessoa revoltada porque ainda em campanha Gabeira foi produtivo e seus voluntários promoveram uma doação de sangue, enquanto que a campanha do outro gastou rios de dinheiro e ainda teve merendas escolares desviadas apreendidas. Hoje sou pessoa revoltada porque por muito pouco, mas muito pouco, não tivemos a chance de um prefeito com histórico que causa orgulho e traz esperança a muita gente, inclusive a pessoas que só vinham votando nulo. Perdemos a chance e hoje? Hoje sou pessoa revoltada.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Hoje não é ontem.

Marla e Tomás no ônibus, segunda-feira:
- Então, amanhã vou passar na sua casa 19h30, pro evento, ok? Só não chego antes porque você fica vendo aqueles vídeos chatos intermináveis no computador com seus amigos... E vou ver se levo o novo livrinho de contos que acabo de fazer, pra gente dar alguns pro pessoal do evento, né?
Tomás responde:
- Ah, eu também queria levar o meu pramanhã, mas não deu...
Aproxima-se o ponto de Marla, ela salta, despede-se com um 'até amanhã', já havia dito antes que não queria gastar celular para marcar tudo a toda hora. Estava combinado.

Marla, terça-feira:
Às 18h ela chega em casa do trabalho, cansadíssima, exaurida, desde às 7h de pé e andou pra cima e pra baixo hoje. Toma banho, janta, se arruma, separa os livretos, não telefona pois já está marcado. Pega o metrô ouvindo música, apóia-se na janela e sente o corpo pesando, os olhos fechando. Está exausta e até se justifica dizendo que está ali porque não é todo dia, nem sempre tem um evento.
Salta em Copacabana, dirige-se ao apartamento de Tomás, dali seguirão para o evento. Quando entra na portaria, o porteiro já diz que acha que ele não está.
Ela sobe o elevador com as gotinhas de suor de quem está perplexo, será isso mesmo??? Porteiros são bons observadores... Antes de chegar ao andar, disca para Tomás, que atende.
- Onde você está?, ela pergunta, temendo a resposta, o corredor ecoando sua voz ilimitadamente.
- Na casa do Jonathan.
- Na casa do Jonathan? - e Jonathan morava num bairro que não tinha nada a ver nem com o dela, nem com o de Tomás. Marla demorara 40 minutos no metrô, e se quisesse agora ir para a casa de Jonathan, demoraria uma hora e meia de ônibus no mínimo. - Mas Tomás, a gente não combinou? Estou chegando na sua casa agora... - ela dizia incrédula e querendo esganar um.
- Ah, mas eu tinha que vir pra cá fazer o final do trabalho pra entregar amanhã, estou muito enrolado, não vai dar tempo, hoje ficou muito confuso... - ele diz sem paciência.
- Tomás, mas a gente combinou ontem! Você tinha que ter me ligado pra dizer! A gente combinou ontem!
E, enquanto Marla apalpava as paredes para ver se estava acordada, se o mundo era concreto, se havia uma realidade e aquilo de fato acontecia, se estava ali e se havia mesmo percorrido todo aquele trajeto, se a voz era de Tomás e se era mesmo aquilo que ela ouvia o que ele dizia, enquanto tudo isso se passava, Tomás respondia, voz impaciente e certo de si:
- Mas hoje já é outro dia.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Ela dizia, ninguém ouvia

A gente saber o que a gente quer é a coisa mais difícil do mundo.
Não espere de mim saber o que eu quero.
Nem sei se quero estar aqui agora neste palco blog.

Isso ela dizia com a luz ofuscando tudo o que não era ela. Na platéia, ninguém olhava. Vuvu dormia, Choquito ronronava, Lili Peteca brincava com um fiapo de tecido que se soltara da poltrona mais à frente. Johandson fazia desenho atrás de desenho sem quase respirar. Então, ela tentou de novo, agora a voz um pouco mais alta, ela sabia projetar bem a voz quando queria e quando não queria:

A GENTE SABER O QUE A GENTE QUER! HEM? É A COISA MAIS DIFÍCIL DO MUNDO! OUVIRAM?

Em volta dela, tudo como antes.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Outras coisas

Era um cacto e não era deserto, era sol e não fazia calor, éramos três pessoas caminhando solitárias e havia companhia, eram nuvens também, era um dia depois do outro trazendo um dia depois do outro, eram dias e dias seguidos uns dos outros, eram dias de mãos dadas que já nem se olhavam mais.
Eu enveredava pelo suor do cacto, imaginando como seria para um cacto suar. Eu enveredava pela lógica do sono imaginando como era penoso para o sono acordar. Eu enveredava pela estrutura da letra tentando entender o que ela fazia no mundo, a letra, qualquer letra, todas as letras, o que elas compunham, além do cacto, além do sol, além das nuvens, além de dias desérticos, além de dunas e areias, "isto não é um cachimbo" e isto aqui também não é uma letra.
Éramos três pessoas caminhando de olhos bem abertos e pestanas bem fechadas e sobrancelhas estritamente arqueadas e não falávamos mais nada do que se pudesse ouvir, sussurrar também não sussurrávamos, mas nos enroscávamos em nossas próprias digressões, fiéis que éramos ao nosso estar conosco mesmos, e éramos felizes em meio a toda a nossa tristeza que se acumulava há décadas. Era uma tristeza de décadas que não cabia em si.
Era um dia depois do outro, um passo seguido de outro, uma paisagem dando lugar a outra, eram outros os nossos eus que ali estavam, era outra coisa o que queria relatar, mas enveredei por isso mesmo e agora não me largo mais daqui.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Quanto ao ofício da vida, o que dizer?

Ando questionando o ofício, qualquer que seja, porque não perco essa mania do ponto de interrogação.

(Se cada frase na minha cabeça mudasse a pontuação, a vida teria mais claridades. Claridades como Clara Nunes e Clarice Lispector e clara de ovo com sal. Mas no final de cada frase na minha cabeça, constante mesmo é a interrogação, antes intercalada com dez exclamações. Ou grito ou pergunto. Preciso aprender a sussurrar...)

Ando questionando o ofício, uns ofícios, tais ou quais ofícios, ofícios quaisquer e quantos. O do médico, o do psicanalista, o do engenheiro, o do gatinho doméstico com ração à espera. O ofício de ser gato não é lá dos mais difíceis, mas só sendo gato pra saber. Ando questionando o ofício de escrever, de desenhar, de pintar, de datilografar, de costurar uma blusa. E o ofício de viver é aquele maior, de onde resultam todos os outros. Sendo que também é a fonte de todas as questões, enquanto no final de cada frase minha vier o ponto de interrogação mais redondinho do que nunca.

(Se cada frase minha fosse escrita em letras menores do que as minúsculas e privilegiassem as reticências, mas as reticências brandas, não as reticências duvidosas e angustiantes, minha vida teria mais claridades...)

O que dizer do porquê da vida? Há muitos ofícios e muitas pontuações. E quanto a este, que comentários posso ter e que frases posso formular? Com que pontuação no final de tudo?

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Encasquetei

Encasquetei. O assunto não me saía da cabeça. Prendi-me nele e ele a mim e o abraço não mais se desfez. Fixo e apertado, assunto grudado. Era o mesmo assunto aquele que me cobria tal qual cobertor, de modo que outros assuntos viram impermeável a barreira no meu cérebro.
Cérebro? Por que cérebro?
Mania de cérebro no mundo atual, talvez o laço amarrado e fixo e forte de assunto comigo tenha sido na mente, ou na perna, no coletivo das unhas, ou até no cotovelo.

Cotovelo?
Aquele que eu uso pra apoiar o braço que apóia a cabeça que apóia o vago olhar que nada enxerga. Mas vê mais do que todos se se trata do assunto amarrado, e nenhum outro assunto adentra meu cotovelo, senão aquele que comigo anda de braço dado.

Qual assunto mesmo? Aquele assunto.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Sem início, meio e fim

Eu o encontrei na rua e lá se iam dez anos.
(Recomece, recomece... dez anos é muito redondo. Quem vai acreditar?)
Eu o encontrei na rua e lá se iam oito anos, dois meses e dezoito dias.
(Recomece, por favor! Quem acredita que o personagem, qualquer que seja, pode saber exatamente dias e horas que separam o presente de um último encontro? Recomece!)
Eu o encontrei na rua e lá se iam... lá se iam... oito anos, mais ou menos, que não nos víamos.
(Continue e vamos ver se é capaz. Mas não hesite tanto.)
E ele não me reconheceu, prontamente. Era um dia chuvoso e cada guarda-chuva que passava, apressado, era um obstáculo entre nós.
(Continue, vejo que está se esforçando...)

Eu o encontrei na rua e lá se iam oito anos, mais ou menos, que não nos víamos. E ele não me reconheceu prontamente. Era um dia chuvoso e cada guarda-chuva que passava, apressado, era um obstáculo entre nós. Acenei e gritei seu nome e, até que dissesse 'Virgínia!' com aquele tom de quem encontra uma agulha no palheiro, ainda pude notar seu olhar de dúvida esquadrinhando meu rosto. Nos abraçamos, depois de ele enfim lembrar meu nome. Assim mandava a velha etiqueta entre nós, aquela dos toques calorosos e amigáveis. Então ele perguntou, porque era o mais fácil, porque era o imediato, porque era o de sempre, porque era universal: E aí, me conta, o que tem feito?

(E o que tem feito a Virgínia? Essa sua personagem que se espanta com o que quer que seja, o que ela tem feito? Continue o texto!)

Nada. Virgínia não tem feito nada de que se possa falar num esbarrão após oito anos.

(Recomece!!!!! Recomece!!!!! Escreva outra coisa!!!).

Fim.

Mundos Bissextos

Em ano bissexto, bissexta me encontro. Torno-me bissexta igual a um vaga-lume. Que pisca quando quer, onde pode e quase nunca. Bissexta sou agora, pois nem sequer consigo sentir a pele sob o toque de minha própria pele. Dedos, tenho todos. Mas tato me falta. Bissexto é o ano em que procuro a mim mesma e encontro algo fácil de ser aglutinado em um conceito. Ao meu lado, nesse ônibus incerto e duro, vejo pessoas insones e bissextas. Dessas que nunca se vêem mas que possuem suas existências paralelas. Eu me ocupo de mim e os outros se ocupam de si, sem que saibamos de nossas mútuas existências. Bissextos somos uns para os outros e uma vez na vida, outra na morte, nos esbarramos pela rua, sem que nem nos reconheçamos – “ah, você é aquela que há três anos atrás tomou o mesmo ônibus que eu, saltando cinco pontos antes e que agora cruza a mesma rua que eu, indo para o lado oposto, com pressa e preocupação, eu lembro de você...”. Ninguém diz isso jamais e o reconhecimento é tão bissexto quanto um conhecimento pleno que posso ter de tudo ao meu redor. O dia 29 de fevereiro foi ontem e pude pensar naqueles que comemoraram seus aniversários apenas de quatro em quatro anos. Não têm a sorte – ou a infelicidade, para alguns trata-se de sofrimento puro – de brindar mais um ano de 365 dias em 365 dias. Esta é uma ocupação que não os visita, esses aniversariantes bissextos e raros, todo ano. E o dia 29 de fevereiro é sempre inigualável. - Todos os dias o são! – alguém objeta. Objeções que não são bissextas não merecem respeito e atenção. Continuo o pensamento. Continuo a caminhada. Bissexta que sou, desisto de pensar no assunto. É hora de enfrentar o março que se anuncia.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Ínfimo Texto (ilustração de Johandson Rezende)










Perto de casa, não havia paradeiro. Fui pra longe, na intenção de descobrir o que de mim se esvaíra. Era um dia para todos, para tantos, para tudo. Era um dia em que se espraia o sumo de cada ser que não se ausenta da vida.

Mas eu corria, pois me perdera do caminho que levava à minha casa. E corria porque correr era mais seguro do que parar. Topei com a pedra, e com o poste, e com o pasto. Contornei os obstáculos e dei de cara com uma moita rechonchuda. Era um gato branco, felino estático, rabo instável, também perdido, também autômato.

Anonimamente entrei no primeiro táxi que resolveu me reconhecer como existência perdida e fazendo sinal. No volante, o ser de bigode era um personagem que saíra de um filme de dois anos atrás. Que dia é hoje? O motorista bigodudo não cobrou a passagem, desligou o taxímetro, estava perdido tanto quanto eu e me propôs que eu fosse sua guia. Nada se concatenava com nada, ele queria que o guiasse, eu?

Disse-lhe, velozmente, antes que não houvesse escape: Mas eu não sei onde me encontrar, como poderei te levar? Ele, impaciente, respondeu: E você, não reconheceu que tirei o bigode? O que enxerga para além desses seus óculos embaçados?

O motorista que já não tinha bigode (segundo me revelou) soltava atrás de si migalhas de pão carcomido que permitissem a volta do táxi ao ponto de partida. Onde estávamos? Eu não sabia para onde ir e corria, e o motorista sem bigode corria também, e a moita rechonchuda espreguiçava-se, muito pouco preocupada com o dia de amanhã. Era um gato imprudente e descansado, enquanto eu ofegava na corrida. Uma nova semana estava prestes a começar e topei com um relógio apitando as horas.

Onde estava meu amigo taxista? Agora eu era solta no mundo, avulsa nas ruas, correndo ao redor de mim mesma, eu era aquela, perdida, continuava esbaforida, a passos ágeis, tentando encontrar o ponto de final de cada ínfimo texto.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

A vida impressionista

A vida me impunha coisas e eu tinha de agarrá-las. A vida se impunha, soturna, a vida era isso, era grande, bem maior do que eu, e eu me perdia na vida tão cheia e tão farta.

A vida trazia coisas e coisas. A vida era ávida de agitação, movimento, compromissos, acordos, decoros. A vida me impunha um ritmo que não era meu e eu tinha de adestrá-lo. A vida me empurrava ladeira abaixo e rolando eu acenava à segunda, à terça, à quarta, à sexta, ao domingo, eu acenava às tardes e às noites, eu acenava aos produtos enfileirados em cada estante e à tão tediosa programação de televisão, eu acenava ao dia das mães e ao dia dos pais e a todas as celebrações automáticas, eu acenava com dedos bem abertos, pois nada me cabia nas mãos.

Eu não cabia na vida que assim se assumia bem perto de mim, então eu caí para o lado de fora da vida, para ver o que achava por perto. Do lado de fora, espiei para dentro da vida. Dali, eu percebia bem, a vida era impressionista. Gerava bolor. Tentei me afastar apressada, aquela vida impressionista e bolorenta já crescia para cima de mim.

A vida novamente me abocanhava, me mastigava, me engolia, me digeria, voraz, atroz e sôfrega. Novamente, deslizo vida abaixo, sem freios. Sabe-se lá para onde.