quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

o final

Todo final era nauseabundo. De uma certa forma. De todas as formas possíveis. Todo final era violento. Camila estava deitada em sua cama, olhando para o teto. Naquele penúltimo dia de ano, decidiu que o melhor era não se mexer. Ou não se mexer muito. Mais ou menos como os jainistas, que andam devagarzinho-devagarzinho pra não pisar nas formigas que porventura aparecessem pelo caminho.

No que Camila não queria pisar? Em muitas coisas talvez. Em nada. O chão de seu quarto era o seguinte: sandálias espalhadas, uma almofada, um saco plástico com as roupas que comprara na véspera, um outro saco plástico com um celular que o pai havia dado há dois anos e ao qual ela não havia dado a mínima bola, um cortador de unhas, a calça que usara três dias atrás e que jurara que ia colocar para lavar. Formigas, não havia nenhuma, ao que soubesse. Mas ela ficaria lá, pois a náusea crescia dentro das suas partes internas. Quanto às partes externos - epiderme, talvez? - ela sentia um calafrio de vez em quando percorrendo a extensão dos braços.

Camila pensou: amanhã é trinta e um de dezembro. Está acabando.
Estará acabado. E foi rápido. Ligeiro. Lépido. Fagueiro. Tudo bem, depois de amanhã recomeça. Começa outra coisa, embora muitos achem que tudo é uma grande e absurda continuidade, tudo se trata de um dia após o outro. Mas Camila sentia diferente e continuaria imóvel pelo resto do dia se precisasse. Porque algo acabava e ela não sabia o que viria a partir daí. Um ano que acaba não é pouca coisa. Um ano é um conceito. Um conceito que contém muitos outros, enormidade de elementos muito bem identificados (alguns) e absurdamente vagos (tantos outros), todos fundamentais. Espécie de conjunto fechado. E as interseções são apenas as lembranças de outros anos, se é que havia aquilo de interseção - e se é que poderia representar por símbolos um ano inteirinho que passa e que, quer se queira, quer não, chega ao seu final.

A prima bateu na porta do quarto: tudo bem aí? Camila, com esforço, juntou todo o ar que cabia em si, e respondeu, com a voz fraca: tudo! Mas ela não disse 'tudo bem', ela disse tudo. E a continuação podia ser toda e qualquer uma. Tudo acaba um dia. Tudo indo. Tudo mal. Tudo imóvel. Tudo se volta para o teto branco. Tudo tem que recomeçar. Tudo faz parte do que está ausente. Tudo que sobe desce. Tudo que entra sai. Tudo tudinho mesmo. Tudo o que eu queria é que hoje não fosse hoje. Ela então sentia as mãos geladas e o suor aumentou. Porque quando pensava que hoje era um dos últimos dias do ano e que, se o ano fosse uma ampulheta, a areia do compartimento superior (o ano atual) estaria já no seu finalzinho, como um prazo que está correndo e que vai acabar e que fará muita coisa dar errado inevitavelmente, quando pensava nessas coisas todas, era desmaio inevitável o que vinha a seguir.

domingo, 27 de dezembro de 2009

e essa gente toda?

E o que dizer dessa gente mais do que maluca que passa por aí, esbarra em você, fala mil coisas e quase não te deixa se manifestar e nada te pergunta e te oferece cerveja para que você possa ouvir ainda mais?

Olhos vidrados. Sem piscar. Sem desviar o globo ocular. Olhos vidrados, sobrancelhas levantadas, movimentação de braços, de ombros, de corpo. Ele não era feio. Falava "estrupo", mas tinha lá seu charme. E uma boina colorida e listrada. Era a segunda vez que Ana Luisa e Vitória viam aquele homem que parecia um ator não tão global, coroa, qual o nome mesmo? Aquele ator... Chico... Chico... Chico o quê, mesmo? Ela não lembrava o nome, mas era igualzinho a ele, e olhos vidrados, sem piscar, globo ocular perseguindo globo ocular, palavras, palavras, palavras. Um sotaque gaúcho e paulista ao mesmo tempo, histórias do Morro dos Prazeres, ele era o baterista da banda que se apresentava numa esquina da Lapa e falava muito. E, de repente, após os discursos longuíssimos que misturavam tudo e mais um pouco, um insight tomava conta daqueles olhos vidrados: "Ih, tô igual a uma metralhadora, gata, tá tá tá tá tá tá tá, cuspindo um monte de história aqui, meu camarada até se assustou comigo, foi mal aí, vou pegar uma cerveja, e eu nem sei de quem eu gostei mais, acho que estou apaixonado por vocês duas, já volto!". Ana Luisa e Vitória entreolharam-se divertidas, mas e aquele olhar vidrado? E ele voltou, bem depois, após o segundo momento, e estava com os olhos ainda mais vidrados, e falando ainda mais seguidamente, querendo ensinar o reggae jamaicano, mostrando marcas de bala numa perna, na outra perna, mostrando os dentes quebrados por causa de soco de polícia, e isso porque ele já tinha contado dos presentes de natal que havia dado para as crianças da favela, e isso porque já tinha contado que haviam feito um show em Campos naquele mesmo dia à tarde, e isso porque já as havia convidado para conhecerem sua casa e a cachoeira em Santa Teresa, e dizendo ainda: "vocês se trancam lá no quarto, não vai ter problema nenhum, ninguém vai abusar...". Ninguém vai abusar? E quem falou em abusar?
Ana Luisa e Vitória ainda conversaram com mais várias outras pessoas que estavam por perto, inclusive a Marli, garçonete de seus 38 anos, muito simpática, que fazia propaganda da noite de jazz que havia naquele bar-boteco às segundas-feiras. Também uns gringos irlandeses e franceses muito suados que queriam tirar uma foto a qualquer custo e depois se mandaram, sorridentes e cantarolando. E também com um hippie argentino que fazia lindos trabalhos em arame dourado, formatos de Cristo Redentor e coração e outras coisinhas bonitinhas e fofinhas. E também com um cinegrafista com dreads aloirados que falava sobre cinema e lembrou da novela que passou na tv manchete há anos e anos e anos atrás. Eram tantas as pessoas e tão divertidas as histórias e tão vidrados alguns olhares que Vitória e Ana Luisa, ainda que não quisesse admitir, sentiam certo medo.

E quando o cara voltou, pela terceira vez, seus olhos ainda mais arregalados e parados e famintos, querendo capturar qualquer atenção alheia: intensificava agora sua metralhadora verbal, contando histórias inverossímeis, embora verdadeiras.
O que dizer dessa gente doida que fala sem parar e não te deixa respirar?

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O que desejaria?

Era assim, ó:
- ela desejava, para o ano que viria, reencontrar um velho amigo que usava uma enorme barba, e desejava falar pra ele tudo o que não pudera falar nos tempos em que se encontravam sempre, e de quebra acariciar aquela barba, como há muito tempo não fazia, e dizer a ele que, se ela fosse homem, também usaria barba, assim como óculos escuros, e perguntar a ele o que ele usaria ou deixaria de usar se fosse mulher, e ouvir dele um 'depende' naquela voz macia e convicta (apesar de um 'depende') e, nesse caso de encontrá-lo, o que pretendia era fazer tudo diferente: não brigaria, não discutiria, não entraria em questões intermináveis, concordaria com tudo e, no caso de discordar, apenas discordaria, sem querer convencê-lo de quem tinha a razão e de quem era a espertalhona;
- ela desejava ir a um lugar onde nunca havia ido antes, talvez do outro lado do Oceano Atlântico, e dizer às pessoas algumas palavras em português que ela apreciava bastante, como 'sarapintado' ou 'trivial' ou 'pluvial' ou 'fluvial', elaborar frases inteiras se estivesse com fôlego como "o que é sarapintado nem sempre é trivial, mas talvez seja uma mistura bélica de fluvial com pluvial" e repetir devagarzinho para que os ouvidos estrangeiros pudessem ter a graça de entender: 'plu-vi-al'; poderia até mesmo dizer 'ronronar' ou então 'trapézio', e quem sabe "bagaceira", mas tudo dependeria da vontade do momento; cantaria também uma música dos Secos e Molhados que falava sobre o Amor (tendo ensaiado antes inclusive com seu ganzá e quem sabe seu pandeiro também), e a música dizia assim (e ela seria paciente e didática para explicar a quem não entendesse): 'leve como leve pluma muito leve leve pousa, muito leve leve pousa'... E as pessoas iriam gostar e iriam pedir para que repetisse ou para que continuasse e ela repetiria e continuaria com certeza: 'na simples e suave coisa, suave coisa nenhuma'; ficaria horas conversando com um gringo na língua em que inventassem sobre a ontologia da suave coisa nenhuma e, certamente,chegariam a múltiplas conclusões (era daquele tipo de conversa que ela gostava, afinal).
- e ela desejava algo mais: surpresas. De preferência boas. Pois parou pra pensar, fazendo uma retrospectiva menos espetacular que a da televisão, e de fato o ano que passara fora um ano de surpresas, boas e ruins. Talvez ela só tivesse focado as ruins e, assim, tivesse criado um juízo do ano: ano ruim. Ano merda. Ano puta que pariu. Ano cruz credo. Ano escrotidão. Ano palavrões todos juntos, emaranhados, enovelados, reverberando sem parar. Mas se ela tivesse prestado atenção nas adjacências das surpresinhas ruins, talvez encontrasse uma série de surpresas boas, às quais ela não havia dado a devida atenção.
- para o próximo ano ela almejava fazer uma nova receita e chamar todos os seus amigos para degustarem-na, mas, por outro lado, ela sabia que a nova casa onde iria morar e que estava esperando por ela ansiosa por acolhê-la não comportaria todos os amigos (e, no entanto, uma voz bem miudinha perguntava baixinho: se você fala de amigos, talvez a casa comporte); e ela desejava que todos os móveis coubessem em seus devidos lugares e que as ondas pluviais e sarapintadas de qualquer céu apenas servissem para deixar o clima um pouco mais ameno em janeiro e fevereiro, aqueles meses devastadores, vorazes, assustadores que vinham correndo saltando os obstáculos do caminho.
- ela desejava saltar na Riachuelo, atravessar a rua, enveredar pelo Lavradio, encontrar uma pessoa que não via há três anos e beber um cerveja, atualizando-se das novidades, e então levantar-se, encontrar a amiga na esquina da Gomes Freire com a Mem de Sá, ouvir música e dançar um pouco, fazer amizade com os filósofos rústicos de mais de trinta anos, sair dali para a rua de trás, esquivar-se dos ruins e almejar os imprescindíveis, dar a volta e cair no depósito, mas fugir dali rapidamente, para retornar ao outro lado, conversar um pouco mais, rir sem parar e pegar um ônibus de volta, caso já fossem seis da manhã.

Ora, ora, o que ela desejava para o ano vindouro? Nem ela sabia mais.

sábado, 19 de dezembro de 2009

palavras cuspidas

Seis e cinquenta da manhã. Mentira. Seis e quarenta e nove da manhã.
O que ela sentia era tristeza. Olhava ao redor e pensava: não, não é possível. Não me encaixo em nada disso. Não faço parte. Estou boiando fora de todas as partículas que ficam bem quando juntas (e sempre estão juntas). Seis e cinquenta e um. E ela não sabia se ainda não havia dormido ou se já tinha acordado. Sua vontade era tomar café. E recuperar todas as horas perdidas em noites mal-dormidas e palavras cuspidas em copos de cerveja. Ela não gostava de nada daquilo. Do que ela gostava? De ficar sozinha. De silêncio. De algazarra de cinco ou seis, talvez, mas cinco ou seis velhos amigos. Aqueles em quem podia confiar. Aqueles que patinavam em afinidades parecidas. Mas e essa gente toda que fala com você em uma noite e não traz um brilho diferente, uma pensamento novo, um sacolejo que desconstrua e reconstrua alguma estrutura falsa em você? Uma piada engraçada e nem isso e nem nada e nem tchum. E essa gente toda? E ela nessa gente toda? Seis e cinquenta e quatro. O que sentia era tristeza endurecida, era lágrima solidificada, era não saber mais o sentido. O sentido. Resolveu esparramar-se na cama. E quem sabe recomeçar, antes que o ano acabasse.

sábado, 12 de dezembro de 2009

era melhor

Era melhor não conhecer as pessoas, não falar com elas, era melhor não saber de suas existências e suas vidas e suas idéias. Era melhor ficar fechada num quarto, não sair e apenas respirar, respirar. Era melhor não se envolver, não esperar uma coisa e ter outra, não achar que aquilo que se vê é aquilo que é. Aquilo que se vê talvez não seja aquilo que é. Aquilo que se é talvez não seja absolutamente nada.

Era melhor então pegar uma poesia de Fernando Pessoa e lê-la em voz alta e depois um parágrafo da Clarice Lispector e lê-lo chorando e depois um página inteira do Jonathan Safran Foer e gritar. Era melhor apenas ler. Era melhor apenas ver um filme e depois outro e depois outro. E colocar uma música clássica, quem sabe o Adágio de Albinoni, e se deixar levar por notas, acordes, harmonias, mas sem ver ninguém. E respirar depois. E se deitar. E não sair mais de casa, não encontrar as pessoas nas ruas laterais, nas filas de cinemas, nos congressos universitários, nos sinais de trânsito. E não saber o que te faz sofrer, e te faz sofrer muita coisa que está do lado de fora da porta da rua.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

ruídos

- Oi.
- Oi.
- E aí?
- E aí pergunto eu: e aí?
- Queria te ver...
- Ah, sim, era isso?
- E te ouvir...
- Sei.
- Te cheirar, talvez.
- Realmente, você não tem jeito.
- Te tocar, na verdade. Assim: - sua mão pousou delicadamente sobre a dela. Ela não retirou a sua. Apenas olhou o gesto e as duas mãos, estáticas. A sua estava fria. A dele, quente. Suas mãos costumavam ser frias. Era seu destino ter as mãos frias. Continuou olhando os dedos dele, até que a voz dele (que nada mudara) a retirou da pura percepção: - Tudo bem?
- Tudo indo.
- Comigo também.
- A gente se enrosca nos eventos da vida, né? Nos acontecimentos. Nas pessoas que aparecem a torto e a direito aqui, ali, lá, acolá, nas ruas paralelas, nas transversais, nas ladeiras e escadarias, na Tijuca, na Lapa e em Copacabana. A gente se enrodilha na multueira de coisas que vão acontecendo umas atrás das outras e vai vivendo. De repente, esqueci que você existe. Mas lembro toda tarde.
- Eu idem. Também me enrosco. E me enrodilho. E me confundo. É tanta coisa, né? Tanta imagem e tanta gente falando e tanta palavra que se ouve e tanto barulho de carro e buzina e guarda apitando... A vida é barulho. Mas não estarei mentindo se disser que também me recordo de você toda tarde, apesar de não saber mais muito bem de que luzes e sombras seu rosto é feito. A vida é barulho e eu esqueço as imagens.
- Eu prefiro o silêncio - ela opinou.
- Eu prefiro o inverno.
- Eu prefiro a solidão. Mas nem sempre.
- Nem sempre...
- Por onde você anda, afinal?
- Você nem queira saber...
- Mas, olha, tem certos momentos em que eu daria muito pra saber o que aconteceu com você após todos esses anos. Já se vão quantos? Seis?
- Quase seis anos.
- Mudou alguma coisa dentro de você nesse tempo? E aquela barba enorme com trança, você ainda a cultiva ou está aí por acaso? Quanto a mim, muito mudou e muito permaneceu. E não sei se o que mudou era o essencial a ser mudado. Mas sabe: não sou mais aquela de seis anos atrás. Ali eu era jovem e tinha mais vontade. Mais impulso. Não sou velha, e nem você. Mas eu era outra e esperava outras coisas. Outros pensamentos eu tinha, planos diferentes dos que tenho hoje, outro temperamento também. Você lembra como eu brigava? Ah, mas eu brigava... - tudo isso ela ia dizendo enquanto se perdia, enquanto percebia que não tinha o que dizer ou que o trajeto das palavras acertadas e assertivas tornava-se turvo e longínquo.
- Você é de câncer, né? Todo canceriano é meio arretado. De alguma forma, tantas brigas nos separaram, mas gosto de você até hoje e rio daquelas brigas quando, à tarde, naquele momento diário que não existe bem, me recordo de alguma particularidade sua. Você sabe disso. Você leu isso.
- Eu talvez tenha lido isso em você, mas já faz tempo. E as páginas viram. Os livros a gente dá, porque é feio guardar pra sempre - ela concluía. -  A vida é barulho e eu esqueço as palavras.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

tapando os ouvidos

De início ela não sabia porquê, mas precisava sair correndo dali. Deixar pra trás o quanto antes aquele lugar, que era compacto, pesado, concreto, quase que o ar do ambiente comprimia sua pele. Já na rua, o suor abundante fazia com que sentisse sua camisa molhada e algumas gotas escorrendo pelas costas. Ela precisava se distanciar ao máximo dali, pois ainda conseguia ouvir os ecos, os ecos! Aqueles ecos transtornavam sua audição e deixavam um zumbido rastejando atrás. Doía-lhe a cabeça, bem ali na altura da nuca. Colocou a mão no local da dor e massageou de leve. Tinha que ir embora daqueles zumbidos e ecos, esconder-se de modo enroscado atrás de alguma moita plausível. É que as opiniões daquele garoto que não passava dos vinte e seis anos invadiam-lhe e achatavam qualquer senso de compreensão e paz, provocavam rupturas sucessivas em qualquer cadeia de pensamento que ousasse forjar sozinha e não compartilhar com nenhuma outra alma. Ele desmontava seus elos! Queria estar ao menos uma vez retilínea consigo mesma, aprumada num certo eixo de silêncio, mas eram opiniões invasivas e definitivas, e aquelas opiniões, todas juntas e intrincadas, expulsavam-na de si e de qualquer outro suporte. Por isso - agora, a posteriori, ela era capaz de enxergar - ela precisara sair correndo dali, catando os cacos que, atados, impediriam que se espalhasse sem retorno. E o pior é que continuava precisando se distanciar, pois tinha medo de que aqueles ecos a alcançassem e provocassem novas e irreversíveis rachaduras. Estava agora a quatro quarteirões, mas ainda sentia o cheiro de tantas idéias tão bem amarradinhas. Era tudo muito certeiro no modo como ele, de não mais que vinte e seis anos, organizava suas idéias. E ele falava alto, com aquele tom meio afeminado que lhe era característico, com aqueles gestos meio bamboleantes que eram inconfundíveis nele, com aquele lápis no olho que se sabia muito bem que havia usado. Não, não, não! Ela queria sair dali e agora se encontrava a seis quarteirões daquele recinto onde não cabia mais voz nenhuma, que dirá seu corpo. Era tudo final, correto e sem dúvidas na forma como aquele rapaz dizia o que achava e ela não agüentava, não suportava, ela não queria mais ouvir!

domingo, 6 de dezembro de 2009

Até quando?

O Carlinhos foi recolher a louça e passar um pano na mesa 4 e deu de cara com aquele papel dobrado com minúcia e zelo. Olhou para os lados, ressabiado. Não parecia lixo. Alguém esquecera um documento. Olhou para os lados, ressabiado. Recolheu o papel e levou a louça para a cozinha. Na volta, foi atender a mal-humorada da mesa 8, que queria agora um bolo de laranja. Olhou para os lados, ressabiado. Meteu o papel no bolso, curioso, ansioso. Levou o bolo de laranja. Aturou as grosserias. Quis meter-lhe a mão na cara, estapear aquela velha, espalhar suas rugas pelo chão inteiro do café, distribuir sua idade mal-amada por todos os cantos do lugar e destroçá-la em pedacinhos diminutos, para, no final das contas, ser aplaudido de pé e ruidosamente. Olhou para os lados, ressabiado. Sentiu o volume do papel apalpando a calça na altura do bolso. O casal da mesa 1 pediu a conta. Olhou para os lados, ressabiado. Queria superfaturar aquela conta e levar uns quinze reais pra casa. Lembrou de Joana. Grávida de seis meses. Vinte anos. Lembrou de seu salário, sua família, seu futuro. Olhou para os lados, ressabiado. Por que ela não tirara a criança? E aquele papel, dobrado em seu bolso? Pediu a conta da mesa 1 para o Orlando e depois levou para o casal, que contou moedinhas, e ele teve vontade de ajudá-los com seu ordenado. O casal se levantou decente e a coroa da mesa 8 fez novo sinal. Olhou para os lados, ressabiado. Não queria ouvir a voz da coroa chata mas foi até ela, respirando fundo, ressabiado. Desconfiado. Mal-humorado, ele também. Queria retorcer aquela voz e arrebentá-la de um puxão, dar um soco naquele nariz proeminente e espirrar sangue para todos os lados, ressabiado. Ser ovacionado. Foi até ela. A mulher tinha a voz rouca, remela nos olhos, gorduras sobrando. Reclamou do bolo. Reclamou do café. Reclamou do atendimento. Reclamou da vida. Ele escutou, afastou-se, fechou as mãos com força, foi até a mesa 5, anotou os pedidos, voltou, foi novamente chamado, escutou os clientes, levou café, levou chá, levou coca-cola, levou pão de queijo, levou torradas, levou a conta, olhou para os lados ressabiado, sentiu o papel no bolso, coçou a cabeça, riu com o Orlando de um cara engraçado que lia um livro no canto do café, levou mais contas e mais cafés e distribuiu mais tapas nos chatos que o perseguiam, ressabiado, encafifado, irritado, engajado em reprimir o seu mal-humor, e no dia seguinte também, acordando cedo, pensando em Joana, pensando no filho, pensando na vida, levando cafés, limpando mesas, aturando grosserias, todos os dias, e no fim do mês o salário, e ele então lembrou que esquecera um bilhete dobrado no bolso da calça (que Carlinhos só lavava de quinze em quinze dias ou mais para economizar sabão em pó), abriu-o no ônibus no caminho para o café na Zona Sul, pela longa trilha de uma hora e meia da Av. Brasil, olhou para os lados, ressabiado, e todos dormiam, menos ele, quando então pôde ler: 'Até quando as coisas vão continuar como estão?'. E ele já não sabia mais se fora outra pessoa ou se fora ele mesmo que escrevera aquele bilhete, ressabiado.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

inércia

Martina ficou feliz de estar naquela van. Estava quase lotada. O ar condicionado deixava o ambiente ligeiramente menos quente que do lado de fora. Ao seu lado, um homem de seus trinta e cinco anos, com uma valise sobre as pernas. Do outro lado, uma senhorinha que segurava firme nas cadeiras da frente, ao lado do motorista. Não havia barulho. Ninguém ligava para ninguém, celulares todos calados, quase um milagre. O motorista era simpático e toda vez que entrava novo passageiro ele era cortês como se aquele fosse o melhor emprego do mundo, e se o dia fosse o melhor após décadas.
Só de estar ali, junto daquelas pessoas, todas desconhecidas, com seus rumos já traçados e suas preocupações tracejando pensamentos em suas mentes incógnitas, e só de estar ali, sendo guiada, sentiu-se melhor. Eram cerca de quatro horas da tarde. O que lhe restava, naqueles cinquenta minutos ou pouco mais, era olhar o trânsito, as vias, os pedestres fazendo sinal, as passarelas, as árvores, e não pensar em mais nada. Estava sendo levada, em comunhão com outros seres, e era inerte, assim, que precisava ficar. Porque era tão trise, tão imensamente triste, perceber que não havia resposta.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

novidade

enquanto não deleto este blog (adiada a decisão com inspiração nas abelhas que a Dani cria), um novo perfil guia a autoria desta confusão letrada.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

o esforço

E me afogo. Na poça, no mar, na banheira. E bato os braços, salpicando pingos para todos os lados. Acho que é no banheiro que me encontro mesmo. Há um espelho do outro lado. E o que vejo são sobrancelhas arqueadas, são rugas na testa, são lábios franzidos. Não sei bem onde vou parar. Mas uma sombra feliz me acompanha nesse estreito cômodo. Ela quer se entranhar em algum lugar de mim e vejo que se esforça e vejo que irá conseguir. Quanto tempo ela vai levar para fazê-lo é uma incógnita ainda maior do que aquela imagem que vejo no reflexo.

sábado, 31 de outubro de 2009

As horas mudam

Preocupava-se com o tempo pois sentia-se aprisionado a ele. O tempo todo tendo que dar conta do tempo, sujeitando-se aos seus impropérios, aos seus desmandos - e isso porque sentia que tudo que vinha do tempo era um desmando. Tinha que se doutrinar para caber dentro de seus limites e fronteiras. Então, sempre queria saber as horas e tinha medo de ultrapassá-las, resignando-se, por outro lado, se era por elas ultrapassado. Como se apostasse corrida. Como se tivesse que se equiparar a elas e estivesse sempre, no máximo, a cinco passos largos de distância. Um intervalo que aparentava ser intransponível.

Isso era outra coisa que gostaria de comunicar à irmã e novamente a dificuldade se impunha: como falar, por onde, que termos usar, qual a medida da ortografia que poderia explicar tudo o que sentia e deixava de sentir em relação àquela irreparável forca que era o tempo? Uma verdadeira forca, sem tirar nem por.

Quanto à irmã, incomodou-se com a pergunta. Você sempre quer saber as horas!

Era porque se sentia aprisionado a elas, ele quis dizer. Mas ela parecia adivinhar. Parecia conhecê-lo bem. E disse, antes que ele pudesse retrucar o que quer que fosse:
você sabe, Rogério, que tudo pode mudar de repente? As coisas mudam.

Era como se, naquele momento, ele obtivesse a resposta para algumas de suas eternas questões. Sim, as coisas mudam. Talvez fosse porque achasse que se encontrava preso ao tempo e à paralisia das coisas que se preocupasse tanto com o horário. O horário! Logo o horário! O que havia de mais grosso e concreto em relação ao tempo. O subsolo do tempo, o porão mesmo! O horário arbitrário ditado pelos relógios, calendários e convenções! Aquilo que era totalmente contingente, que dependia da cultura. Qual era a medição do tempo para os índios? O tempo não era linear ali, mas circular, se é que possuía alguma qualidade, o tempo! E, no caso de as coisas mudarem, poderiam retornar ao ponto anterior. E, no caso de as coisas mudarem, as coisas mudavam. E, no caso de as coisas mudarem... Era isso, era exatamente isso o que o perturbava. Aquela sensação de estar sempre na horizontal, na mesma cama, no mesmo quarto, na mesma casa, no mesmo dia, no mesmo horário, sempre na mesma vida, sempre no mesmo sempre, sempre no mesmo mesmo! Então as coisas mudavam? Mudavam, as coisas?

Sim, Rogério, as coisas mudam e isso pode acontecer quando você menos espera.

As coisas podem mudar quando você menos espera. Guardou essa frase e recostou-se, sem se importar com a hora.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

o incomunicável

Rogério e Maria ficaram longo tempo, um perto do outro, sem nada dizer, sem nada olhar, ainda que os olhos não estivessem cerrados. No mesmo quarto, ele sobre a cama dela, ela na cadeira, às vezes mexendo numa ou noutra coisa, o computador milagrosamente desligado. Os ruídos que seus movimentos promoviam também eram quase inexistentes. E uma bolha parecia guardar aquele recinto, tornando-o auspicioso, de uma certa maneira. Aquele silêncio era quase o breu pelo qual Rogério ansiava. Ficar assim sem dizer nada era privilégio de poucos. Raridade que devia aproveitar ao máximo, tateando-a, conferindo-lhe concretude.
E se perguntava por que nadava para a corrente contrária àquela que a civilização inteira fatalmente buscava. Ele se sentia contra a civilização inteira e isso era um peso tão grande, mas tão grande, que apenas ficar deitado ali na cama, sem ter que nada dizer, poderia, muito talvez, trazer um certo e diminuto alívio. Muito talvez.
Por outro lado, pensou, de repente, sentindo a ardência que um tapa na cara pode provocar, mas agora oriundo, aquele ardor, do insight misterioso: achava-se um tanto quanto melhor e maior que tudo, não? Odiava quando seu pensamento zombava dele, quando seu pensamento exibia um meio sorriso de escárnio. Era uma parte de si que estava sendo sarcástica consigo mesmo, que ria igual hiena, enquanto a outra parte, ele todo, permanecia sério e bobo! E não podia negar absolutamente aquele pensamento de que se achar nadando contra a corrente de uma inteira civilização era sentir-se bom demais.

Quis comunicar aquilo tudo à irmã, que estava sentada de costas para ele. Quis dizer para ela o quão complexo era seu sentimento-pensamento. Quiz dizer-lhe o seguinte: a ambigüidade me povoa. Quis gritar-lhe: você já sentiu o paradoxo navegando dentro de você? Mas não sabia nem como nem por onde começar, apesar de todo aquele silêncio ser o momento mais propício às comunicações desordenadas. E, quando abriu a boca, foi para dizer:
- Maria, que horas são mesmo?

terça-feira, 27 de outubro de 2009

breu

Quando Rogério abriu os olhos...
horizontal, ele continuava na horizontal.
Mas não era a sua cama o que havia de suporte. Nem o chão. Era a cama de Maria. A irmã. Que nem sonhava que era constante o fato de ele imaginar um tiro que acabasse com tudo e trouxesse um breu.
Maria o levantara, sabe-se lá como, pois era esguia que só ela. "Mirradinha", como dizia o ex-namorado tentando conquistá-la há anos atrás. Mirradinha, mas com força, isso sim. Com personalidade. Forte. Tanto que o irmão, o Rogério, não iria dizer para ela jamais em sã consciência - e sua consciência costumava ser sã - que imaginava um tiro, um estrondo e um breu, sem penduricalhos de imaginação (não, não, ele não imaginava choro, ele não imaginava vela, ele não pedia uma fita amarela guardada com o nome dela). Ele não diria à sua irmã, Maria, pois ouviria dela um sermão longuíssimo e irritado desfiando todos os quês, porquês e saquês das opções pela vida e pela morte. E ele não conseguiria um espacinho sequer para dizer que não se tratava de vida e morte e sim de claro e escuro. "Tá tudo muito claro, minha irmã, eu quero um pouquinho mais de escuro". E ela replicaria: "então, é disso mesmo que estou falando!". Ela achava que tudo era metáfora, mas para Rogério, apesar de não parecer, era tudo mais concreto: estava tudo muito claro mesmo e o tiro proporcionaria breu. Um pouco mais de breu. Ainda que eterno.
De fato, ele desmaira às 11h38 e agora acordara na cama da irmã, que o olhava, e ele não imaginava que Maria não tinha nada a dizer. Que horas seriam agora?

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

os primeiros momentos da manhã

Rogério levantou-se naquele domingo às 11h34. Era exata a imagem da hora do relógio, e a imagem não se apagava, até o dia seguinte, quando olhava a hora que acordava e guardava até a hora de dormir novamente.
Rogério levantou-se às 11h34 e caminhou até a cozinha, onde olhou sem vontade a garrafa térmica de café, os pães em seus sacos plásticos e algumas migalhas sobre a mesa da cozinha.
Rogério chegou à cozinha sem vontade de estar ali ou em qualquer outra parte. Vinha sentindo um peso enorme todo dia ao dormir e ao levantar. E também naqueles momentos em que sua insônia intermitente fazia com que acordasse no meio da noite e se conscientizasse de que estava no quarto, na cama, na horizontal, no quarto, na cama, na horizontal, no quarto, na cama, na horizontal, e em nenhum outro lugar diferente do lugar em que se encontrava no quarto, na cama, na horizontal. Era o que sentia: sempre a mesma coisa no quarto horizontal e na cama, sem soluções. Estava cansado de si mesmo e sentia a vida inexpressiva. Era preciso fazer alguma coisa, ele sabia disso. E elaborava há dias, semanas, meses. Era preciso fazer alguma coisa para sair da horizontal. Sentiu saudades de uma época em que tinha vontades. Mais vontades, quaisquer que fossem.
Olhou o relógio e viu que agora eram 11h38 e o domingo ainda era domingo, assim como o começo, que não deixava de ser começo. E o desmaio que veio a seguir imprimiu uma verticalidade inescapável àquele momento.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

o irmão de Maria

A Maria não tinha certeza se era um risco virar um personagem de um blog. Ela percebia que isso estava acontecendo, pois era objeto de opiniões e textos que estranhava serem assim escritos à sua revelia. O fato é que Maria tinha um irmão mais novo, chamado Rogério, talvez o autor do blog, dos textos, ou não. E Rogério ficava muito tempo deitado em sua cama, no quarto em frente ao seu. Ela passava por lá e Rogério ora lia gibis, ora dormia, ora via filmes, ora não parecia fazer absolutamente nada. Às vezes conversavam, mas Rogério era muito fechado no que dizia respeito à sua vida, à vida alheia e ao tempo. Nunca comentava sobre o clima e não sabia, a Maria, qual era a opinião do irmão sobre o horário de verão. Maria não fazia idéia de que, na cabeça de Rogério, uma imagem que ia e voltava, ia e voltava, ia e voltava, era a de um revólver que atirava, peremptoriamente, e acabava com sua vida. Rogério imaginava o fim. O seu fim. Era constante. E era uma imagem rápida. Rogério não divagava sobre o contexto do fim e os momentos ou dias seguintes. Não imaginava que alguém poderia chorar, que haveria um velório, que seus pais ficariam desesperados ou envergonhados, que sua irmã Maria sentir-se-ia traída. Não imaginava reações dos escassos amigos com os quais podia contar e que, vez ou outra, telefonavam. Era apenas aquilo. O revólver, o tiro e um breu cheio de alívio.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Preferências de Maria

Maria preferia escrever a comprar roupas. Embora tivesse prazer comprando roupas. Às vezes. Pois nem sempre dava certo comprar roupas. Assim como nem sempre dava certo a programação do fim de semana. Escrever também não era sempre que dava certo. Mas o maior problema de Maria era achar-se estranha por preferir escrever a comprar roupas. Também não gostava da fazer as unhas, preferia roê-las. Eram mais prático, embora de efeito estético duvidoso. Maria sentia-se mal de não gostar de fazer as unhas e de não apreciar sapatos. Não desgostava de sapatos, mas estes não eram objetos aos quais dedicava grande valor e atenção. Preferia outros objetos. Por exemplo... por exemplo... eu diria que... o que, mesmo? Maria nem lembrava que tipo de objetos gostava. Não eram vestidos. Nem mesmo colares. Brincos, às vezes. Ah, sim! Livros! Preferia os livros aos vestidos. E achava-se verdadeiramente esquisita por preferir os livros aos vestidos. E também não tinha problemas de se desfazer dos livros de tempos em tempos, quando achava que os tinha ultrapassado, àqueles, dos quais ela se desfazia, raramente se arrependendo. Maria se desfazia pois já não estava no mesmo nível deles. E dizia aquilo para si mesma não como um ato de arrogância. Fez o mesmo com os brinquedos, quando tinha lá seus dez anos, e se desfez de alguns deles, só alguns, deixando outros. Os que mais duraram haviam sido os Playmobis e as Barbies. (Não duvidava de que, se encontrasse um Playmobil agora, qualquer que fosse, sentaria e brincaria um pouco, no mínimo por um minuto!) Mas havia um momento que não gostava mais de panelinhas e não era arrogante por dar as panelinhas a qualquer outra pessoa, que gostasse mais, assim como não era arrogante por dar O Mundo de Sofia, embora reconhecesse seu valor. Maria era assim. Cheia de nóias.

sábado, 17 de outubro de 2009

as razões

Maria tinha vergonha de si mesma. Por diversas razões.
Uma das razões era não conseguir fazer de sua vida algo minimamente prazeroso.
O trabalho - não gostava.
O amor - não tinha.
A família - sem comentários.
Os gatos que tinha às vezes lhe faziam cócegas na alma. E era assim surpreendente.
Mas naquele sábado notou o desespero de se sentir inteiramente só. E completamente instável. E sem controle algum. Num mesmo dia, era capaz de sentir todas as gradações das emoções.
Ela estava tão decepcionada, que jogava a culpa em todos, mas sabia, ela sabia, que era a maior responsável por tudo aquilo.
Maria tinha vergonha de si mesma. Por muitos motivos.
E não conseguia esquecer-se deles distraindo-se com aquilo que antes era bom. Maria não criava mais como antes. Maria não era mais Maria. E se tornava um ser detestável para muitos.
Jogou o sábado fora, que era uma de suas únicas brechas de respiração durante a semana. Como os outros podiam entender o quão massacrante era sua rotina de segunda à sexta? Como os outros poderiam não ver aquilo como frescura? Ela não usava bombinha, mas a asma que sentia fazia com que se tornasse um zumbi de segunda à sexta, tentando puxar algum ar no sábado, e voltando a perdê-lo no domingo. Não tinha para onde correr, eram paredes o que via para frente e para trás, e era estreita a passagem. O esforço que ela fazia era desmedido. E talvez por isso acabasse se tornando um ser detestável quando sobrava um tempo: era uma ira acumulada contra tudo e todos (mesmo contra aqueles que não tinham parte em sua ira).
Maria se humilhava. Pedia ajuda. Pedia companhia. Pedia: posso dormir na sua casa só hoje para eu não ficar tão sozinha? Maria recebia a negativa, que não era novidade. E se arrependia de ter feito o pedido, para em seguida pedir de novo. Maria fazia a merda, sentia-se envergonhada, e repetia a merda no minuto seguinte. Maria era uma merda.
E Maria tinha vergonha de si mesma. Sem razão alguma.

domingo, 30 de agosto de 2009

esquecimento

Ele vai esquecendo que ela existe porque a vida vai levando a outras memórias e outros encontros. Ela vai esquecendo que ele existe porque a vida vai seguindo em outros trajetos, novos objetos podem chamar sua atenção. Ele vai esquecendo que ela existe porque na verdade já não se incomodava tanto com a existência dela. Ela vai esquecendo que ele existe porque não há outro jeito e é assim que tem que ser. Ele vai esquecendo que ela existe e ela adivinha que isso acontece e isso aperta-lhe o peito, angústia! Ela vai esquecendo que ele existe porque é assim que tem que ser, é assim que tem que ser. Ele vai esquecendo que ela existe pois na verdade não gostava dela tanto quanto dizia a si mesmo que gostava e ela sabia disso, ela sabia disso. Ela vai esquecendo que ele existe porque é fácil para ela esquecer que ele existe, embora existam memórias que durem pra sempre e que a acompanham há anos e ele não desconfia delas, ele nunca saberá. Ele vai esquecendo que ela existe. Ela não quer esquecer que ele existe, mas a vida está sufocando-lhe por todos os lados e o que ela mais quer é esquecer que a vida existe.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

apatia

Se Eliana soubesse o que aconteceria, ela saberia exatamente que caminho tomar. Não entendiam os deuses que ela não queria errar? E o destino, não entendia ele que ela queria achar seu trilho, sem tropeços? Ela queria dizer a todos os que assistiam sua jornada que o que ela queria era não errar e viver a vida sem fazer mal a si mesma e aos outros. Nisso ela era quase cristã. Não tinha medo de pecar, não acreditava em diabo, mas tinha fé de que o sofrimento pode matar, nisso ela acreditava piamente, então o que ela queria era viver a vida pegando os atalhos mais próximos, correndo dos vendavais, contornando becos escuros, evitando amigos desleais. Ela queria evitar a fadiga, era partidária da filosofia do carteiro Jaiminho do Chaves. E por causa de não querer errar a porta, equivocar-se na marcha, atropelar-se no afã de cumprir com os prazos e horários que a vida lhe impunha, ela acabava que não fazia nada, não cumpria prazo algum, não entrava por porta alguma, quase que cruzava os braços presa em suas reflexões que nada produziam. Mas ela não deixava de fazer as coisas por preguiça ou má vontade, ela só não queria errar, o motivo da apatia era o receio de colocar tudo a perder. Afinal, se fizesse alguma coisa, se se deixasse levar por alguma opção mal avaliada, que raios de tormentos poderiam lhe alcançar? Ela não queria errar, não entendiam os deuses esse simples desejo?

domingo, 26 de julho de 2009

Ficha

Sua idade: 30 anos e três dias. Algumas horas.
O que mudava: absolutamente nada ou tudo ao mesmo tempo.
O motivo do desespero: nenhum que fosse palpável.
O motivo da alegria: agora sim podia dizer que fora alegre, pois uma festa feliz a esperara sem que ela desconfiasse, e comera quindins, operetas, sanduíches, bolo, estourara bolas e a cor das bolas que estourara era rosa.
A continuidade: já acontecia.
O que a esperava: tudo de antes, ou seja, vida, trabalho, noites, manhãs, incômodos, alegrias, um lançamento de livro próximo, o resto do inverno, barulho no trânsito, pedintes, ambulantes, notícias infames na televisão.
O que ela não queria: continuar dominada por angústias infundadas.
Um dia depois, como estava: feliz da vida e rodeada do sublime que era o filme japonês A Partida e o livro brasileiro A Chave da Casa, de Tatiana Salem Levy, que ela leu em 48 horas ou menos.
O clima: frio, nublado, chuvoso, do jeito que ela gostava.
Que dia é hoje: domingo, mais uma vez.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Os trinta anos

Daqui a dois dias a menina ali sentada e digitando ia fazer trinta anos.
Menina?
Daqui a dois dias a moça ali sentada e digitando ia fazer trinta anos.
Moça talvez.
Daqui a dois dias ela, ali sentada - e digitava - faria trinta anos e começaria a ler Balzac.
Que ninguém a visse assim translúcida. Era um horror. Agitavam-se nós na garganta e nos ouvidos. Ela sentia ecoar um grito que nunca deixara de ouvir. Porque:
Dali a dois dias a moça com raivas de velha ia fazer trinta anos. E digitava.
Porque não queria e queria muito. E não sabia o quê. Queria ultrapassar os quarenta, logo, se pudesse. Mas a proximidade dos trinta não ajudava. A astróloga desconhecida anunciara um retorno de Saturno. Ela não queria Saturno de volta e então era por isso todo o seu amargor? Todo o desespero?
E nisso ela digitava. Para tentar não lembrar muito bem. De quê? Bem, faltavam dois dias. Ou menos até. Um dia e algumas horas. Para? Os trinta anos. Era aquilo que a esperava. E ela não queria esperar mais.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Nosso livro




Depois da fama e da celebridade mundial na programação da OFF FLIP (sem exageros desmedidos, afinal, alguns de nosso bando deram entrevista para a BBC de Londres e, se eu não estava presente e não vi, acredito piamente e tenho provas, te-nho pro-vas!!!), o lançamento agora em Copacabana!!!

O conto que escrevi e que faz parte desse sonho foi o primeiro conto que levei ao clube, sendo que, quando foram escolhidos os contos, eu tinha apenas 2 contos no clube. Lembrando que todos os contos necessariamente fizeram parte do clube da leitura. A idéia é essa!!! Eu sou a mais nova integrante da confraria (não de idade, lembrem, mas de participação!) e a mais neurótica no que se refere a levar um conto para ser lido em voz alta na minha presença. Tanto que, quando foi lido o conto, não agüentei e fiquei lá fora, no boteco ao lado, conversando com o Ribas. Atualmente, já consegui levar 4 contos e, no último, consegui estar presente enquanto era lido pela Carmen, que o defendeu magnificamente através de sua sensível leitura. Bem, espero que gostem e que possam ir à festa!

domingo, 24 de maio de 2009

Borrão 2

No ponto exato em que me encontro, perco-me daquilo que antes era. Pois em cada momento é-se algo e quem me contou foi Clarice Lispector. No ponto exato. Onde me perdi. Volto a me achar no momento mesmo em que escrevo o que nem sequer pensara antes. É aqui que escrevo de forma solta. Forma solta? Solta-se a forma e o que se tem é borrão. Textual. Gramatical. Liberal. Literal. Literário, quiçá. Até que se fechem os livros todos e o mundo volte a ser o que era: água, insetos, leguminosas, nuvens, gente que olhava sem ter o que dizer, sombras, pingos. No ponto exato em que me manifesto, devo mostrar o que sei. E o que sei é tudo o que não interessa saber. Vou ler na Revista algo que interesse na conversa, mesmo que se perca em todo o depois de hoje. Vou ler na Revista algo bom pra repetir e contar. No ponto exato em que viro linha, deixo de ser intervalar. E o que quero com isto aqui? Alguém poderá dizer... Alguém poderá gritar e até mesmo ser ouvido o seguinte lance sem replay: que não há moral da história, que não há informação valiosa, que não há linearidade, mas que inventamos os contornos disso tudo e nos encaixamos bem nas rotas previamente destinadas. No ponto exato. Em que me encontrei. Foi no livro entreaberto que jamais ousei fechar.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

De esguelha

Não tinha coragem de sair de casa. Morava em uma vila, numa das primeiras casas. E quem saía era sua avó, que comprava comida, que pagava contas, que ajeitava o quintal, que dava suas caminhadas vespertinas. Mas ela não saía de casa. Apenas espreitava o mundo. Cheirava-o, e bem de longe. Não era raro ir até a janela e, numa fresta da cortina, ver o movimento de crianças que havia no pátio da vila, ver a chegada do carteiro, sempre simpático e cantarolante, observar a ida dos moradores para o trabalho e sua chegada, todos eles meio exauridos e esvaziados. Ela não saía. Mesmo com as insistências da avó, que tentava de tudo e uma vez deu de chamar um médico para que ele a convencesse de sair. Era um médico proctologista, mas simpático, com dom de cuidar do outro, e ainda que aquela não fosse sua especialização profissional, aceitou de bom grado o que a velhinha lhe pediu e, uma vez lá chegando, nada conseguiu, nenhuma persuasão ou convencimento foi capaz de fazê-la sair de casa, nenhuma receita e nem os anos e anos de faculdade e estudo. Porque ela - ela olhava o mundo muito de esguelha. Via televisão e sabia das coisas do mundo também por esse canal. Comia bastante, assistia novelas e telejornais e observava o movimento do mundo de esguelha. Assim era melhor. Assim era prudente. Ela não ousaria colocar os pés para fora de casa e dar de cara com o turbilhão que o mundo é. Não ainda.

(texto publicado no número 4 da revista digital Rabiscos e Afins).

terça-feira, 7 de abril de 2009

a confusão de Maria

A Maria chegou no analista e não quis deitar no divã.
Ela sempre deitava no divã e achava isso muito bom.
O divã faz milagres, ela costumava dizer.
A Maria então naquele dia não queria milagres.
Ela queria alguma outra coisa, o quê? O quê?
A Maria preferiu sentar, meio de lado. De frente seria muito.
E aí disse:
"Estou confusa".
Tão confusa a Maria estava que não conseguiu, ela não conseguiu nem o lé, nem o cré, nem o lé com cré, nem o cré com lé, nem o lá, nem o si, nem o dó, nem o pão-de-ló. Ela não conseguiu explicar nada com coisa nenhuma e tudo que dizia parecia um redemoinho caótico.
A analista ouvia e falava algumas coisas. Meneava a cabeça. Piscava. E dizia algumas coisas mais. E ficava em silêncio. E piscava. E mudava de posição. E se ajeitava. E perguntava isso. Ou perguntava aquilo. E por aí iam indo... Por cinqüenta minutos.
A Maria saiu de lá ainda confusa. Mas não é menos verdade que, agora, a confusão tinha outros tons.

domingo, 1 de março de 2009

Um mês depois (continuação)

(Continuação da postagem de 30 de janeiro).

A Beatriz estava adiando aquele troço de procurar um astrólogo até o dia em que perdeu o medo, a paranóia, a alergia, o receio, a descrença, a desconfiança, a ironia e os tiques nervosos e discou para um daqueles vários números que acumulou em suas consultas às suas amigas menos reservadas quanto a assuntos exotéricos e esotéricos.

Marcou a leitura do mapa para uma terça-feira e na véspera mal dormiu. Só pensava naquilo que a norteara durante anos e anos em sua opinião de que alguém que fala de você e de seu futuro acaba criando você e seu futuro. Que medo ela tinha de ouvir um rol de características pessoais ditadas por signos, astros, estrelas e passar, a partir daí, a ser exatamente do jeitinho que a lista de características indicava que ela era. Se soubesse que era extrovertida e ligada à família, na verdade poderia passar a sê-lo só pela sugestão de ouvir aquilo. E que medo tinha de ouvir a previsão de que conheceria, por exemplo, um 'moreno jambo' até outubro e passar, a partir dali, a só olhar para 'morenos jambos', que nunca haviam interessado à sua atenção e à sua libido. Fazer exatamente o que se devia fazer (e fazê-lo de modo inconsciente!) para que se cumprisse a profecia astrológica, fosse ela sobre morenos jambos, empregos públicos ou mortes inadiáveis! Medo enorme exorbitando poros e rachaduras de sua alma de que se criasse seu destino e sua linhagem! Ainda assim, cheia de sonos e bocejos, já que havia marcado, dirigiu-se para a casa da astróloga e, lá chegando, não hesitou nem um nem dois segundos antes de tocar a campainha.

A mulher baixa e enrugada, mas com um olhar azul límpido e refrescante, fez com que Beatriz subitamente esquecesse os receios que vinha acalentando com apego e orgulho e confiasse no que tinha a lhe contar a tal astróloga. Foram para a mesa de trabalho da mulher e ela ia começar a dizer alguma coisa. Ela ia começar a deslindar a inauguração de uma nova Beatriz e era preciso coragem para ouvir...

(continua).

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Um mês e meio - parte 4 - novo título agora: um mês depois!

(Continuação da postagem de 3 de dezembro de 2008)

Apesar de toda a gana e nervosismo e aflição de Beatriz para confirmar, através de algum objeto específico no mundo (de preferência objeto dotado de alguma concretude) o que dizia sua intuição, ou sua vozinha interior, ou sua avózinha interior, ou sei lá o quê que cismava que 2009 ia ser 'O Ano', ou ainda, 'O ANO!', ela custou muito a ligar para os astrólogos cujos telefones todas as suas amigas haviam cedido. O objeto específico que confirmaria que a sua avózinha interior dizia que 2009 ia ser no mínimo sensacional era mesmo um mapa astral. Mas tinha todo aquele pensamento de Beatriz de que esse negócio de quiromancia, numerologia, astrologia, búzios e seus consortes que buscavam prever o futuro tinham muito mais de falácia e sugestão do que qualquer outra coisa. Ia depender da gradação do caráter do profissional e da gradação da crença daquele que buscava uma resposta para as questões insondáveis da existência. O fato é que Beatriz não tinha uma questão insondável de existência para sanar com o astrólogo. Quer dizer, o fato mesmo é que Beatriz tinha uma série interminável e intragável de questões insondáveis e inacabáveis de existência, mas agora o que estava na bola da vez era a do ano de 2009. E que não era bem uma questão. Era uma intuição. Ou um pensamento. Uma frase que ia e vinha, que repercutia em ondas de alegria e que, vez ou outra, gerava até um certo tipo de arrepio benigno com direito a tremelique de êxtase e tudo! A frase continuava sendo aquela: 2009 vai ser muito bom. Sendo que a tal da frase também tinha variações: 2009 vai ser o ano da virada. Beatriz até se perguntava que virada podia ser aquela. Mas a palavra 'virada', por si só, já tinha um tom de espetacular tão incorrigível que permitia reduzir-se a ela mesma, sem carecer de interpretações, especulações, hermenêutica. Só que uma questão se interpunha: e agora pra vencer aquele seu ceticismo em relação a mapas astrais? Luísa e Roberta já haviam dado uns números e tanto Beatriz enrolou que o ano rompeu, passara-se um mês, vinha fevereiro e nada de ela procurar um astrólogo. O que ela queria não era responder uma questão. Não era pergunta. Não era dúvida. Não era incerteza. O que ela queria era uma confirmação de sua frase interior, ou pensamento interior, ou voz interior, ou avózinha interior de que, de fato, 2009 traria uma coisa muito boa. Era só o que queria, mas tinha medo. Medo de que aquilo de ir pro astrólogo a influenciasse de um tal modo que ela de fato fizesse tudo para que 2009 fosse mesmo O ANO. Seria a contaminação de sua vida pelas palavras do astrólogo... Mas, se fosse assim, ela não estaria no lucro do mesmo jeito???

(continua, eu juro...)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

E com vocês: o FODANTÁSTICO MUNDO DE ARAKEN LUGOSI

Tenho um amigo que vende pedras.Ele não é poeta. Ele vende pedras. Rochas. Granitos. Granizos? Aí não sei.
Não sendo poeta, ainda assim consegue milagres com as palavras, mas só de vez em quando quase nunca.
Primeiro há que se dizer que Araken que se diz Lugosi,ops!, Araken Lugosi, entrou no meu mundo psíquico a partir de 2005, exatamente 29 de setembro (i.e., até ali não existia). O mais legal do Araken Lugosi é sua namorada Ana Paula, que também entrou no meu mundo psíquico nesse dia, quando ele se referiu a ela, antes de eu a conhecer.
O problema do Araken é a síndrome da acumulação de coisas aguda que se junta à síndrome de preguiça tripla aguda e mais o mal de furão incorrigível, somado à dupla personalidade que desdiz o que a primeira disse, ou que diz coisas que a primeira não disse, e por aí vai. Aí, meu irmão, fica muito confuso sacar o Araken. Porque, se vc não o conhece bem, quando ele liga pra você aos sábados e pergunta "qual é a boa?", vai achar que ele tá no pique, até que ele suma o resto da semana, para ligar no próximo sábado novamente e fazer a mesmíssima igualzíssima exatíssima pergunta e sumir novamente. Ou quando ele realmente pergunta isso e marca algo que parece interessantíssimo e não dá as caras, simplesmente assim. E depois diz que não marcou nada, mas se você faz o mesmo com ele, ah, não fica na frente não que vais é ouvir muito. Porque como o Araken Lugosi acumula todas essas síndromes - que, para os leigos, é bom esclarecer que não são doenças, mas sim conjuntos de sinais e sintomas - ele não consegue arredar o pé de casa acumulando-se nas cadeiras e sofás, ao passo que adora também acumular tudo que é objetinho inútil, desprezível e sem porquê desse mundo, principalmente se saiu de uma promoção "fodantástica"... Ah, essa palavra aí é de autoria dele, já chego lá. Antes devo dizer que o Araken gosta de comprar o que não quer nem precisa e nem gosta só porque está na promoção. Se encontrar dez batons por um real cada, vai comprar, mesmo que não lhe interesse lhufas. Se souber que o cinema tá na promoção de 1 real, ele vê dez filmes no mesmo dia. Isso ele gosta: cinema. Mas é capaz de ver o filme mais chumbrega só porque está na promoção.
Enfim, o que eu queria mesmo dizer sobre o Araken Lugosi é sua sutileza poética e sua capacidade de criar neologismos - e copiar alheios também - que muito me encantam justo porque as palavras me encantam. Então, se encontro alguém que sabe fazer delas gato e sapato e emprestar a poesia ao discurso chulo do quotidiano - sem forçar a barra e ao natural - aí já crio uma simpatia por essa pessoa (mesmo com todas as síndromes que a constituem e a atravessem). Entre seus muitos neologismos, está o novíssimo 'fodantástico', que saiu inteiramente de sua mente vendedora de pedras ao se referir à diversidade humana de Copacabana. E ao comentar sobre um primo que estava com 'fogo no rabo' para dar umas voltas pela cidade, foi nobilíssimo ao dizer que o primo estava era com o 'rabo em labaredas', mas não saiu porque a namorada dele o 'encoleirou'. A capacidade discursiva desse nosso amigo Araken é muito boa; pena que não é acompanhada por sua sabedoria, pois, com raiva da prima que encoleira o primo com o rabo em labaredas para dar umas voltinhas, não devia se irritar com a prima, mas com o primo, que, queimando-se todo de baixo pra cima, baixa a cabeça para o que a namorada ordena, submisso e passivo que é.
Enfim, muito mais poderia ser dito sobre o fodantástico mundo de Araken Lugosi, inclusive o fato de sua melhor qualidade ser a namorada gente boa que gosta de boa música e boa diversão, e creio que seus amigos de anos a fio conhecem muito mais síndromes e doenças que o maltratam, amarrotam e amassam ininterruptamente, tadinho!, mas como isso aqui é blog e as pessoas cansam, fica prumoutra vez...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Clube da Leitura e o exercício de ser um pouco mais macho

Essa semana aconteceu uma coisa legal mas eu não sou macho o suficiente pra agüentar, não ainda. Quem sabe chego lá.

Tem Copacabana?
Então.
Tem Barata Ribeiro?
Então.
Tem o Baratos da Ribeiro, ali pertim da Siqueira Campos?
Então.
Ah, o nome do sebo é bom mesmo e é fidedigno: baratos mesmo! E bons, muito bons. Very very good.
Continuando: tem o sebo.
Aí, o que acontece?
Tem a semana?
Então.
Tem terça-feira?
Então.
Quinzenalmente rola lá o clube da leitura, nesse lugar aí que eu disse que é nesse bairro aí que eu falei e que é no Rio de Janeiro (isso eu não tinha falado, erro im-per-do-á-vel!).
Então, voltando: lá tem o clube da leitura que, de fato, pra mim, foi um grande achado de 2008. Um lugar onde as pessoas se reúnem para ler suas coisas e ler coisas alheias. Fica um monte de coisa sendo lida e um monte de coisa sendo comentada.
Continuando:
Tem 2009?
Então.
Tem a primeira semana de 2009?
Então.
O primeiro clube da leitura calhou de ser na primeira semana e na primeira terça de 2009.
Achei até que não ia ter o clube e de fato houve pouco conto dos participantes, daí que ficou disperso e interessante: a cada texto que se lia, mil e um comentários intermináveis. O pessoal estava frenético, maníaco, resquícios do réveillon!
Aí eu levei meu novo livreto, já é o terceiro.
Distribuí para algumas pessoas quando calhou de dar coragem. Sabe coragem? Pois é, isso aí é troço difícil... Nem sempre vem. É preciso catá-la nalgum canto de mim mesma e às vezes encontro migalhas, as quais aproveito ao máximo, sorvo-as desesperadamente e sempre dá certo (imagine se eu encontrasse mais pedaços de coragem!).
Então, aí distribuí.
Tem o Maurício?
Então, não é que já no final de tudo, depois de ter lido o trecho dele, ele resolve pegar um livro gigante do Charles Dickens, falar que vai ler um texto dele e começar a ler um texto meu? MEU! Começou dizendo que se chamava Cláusulas e passou vagamente pela minha cabeça que eu tenho um texto com um nome igual. Leu a primeira linha e eu não atinei. Leu a segunda e só aí que eu acordei pra vida! Fiquei moooooooooooooorta de vergonha e não consegui: saí do recinto, fui lá pra fora e tive que ser resgatada pelo Ribas. Quase fumei um cigarro, mas não fumo. Vergonhíssima. Migalhas de coragem, cadê vocês, suas cachorras?!?!
Mas de fato eu adorei o gesto. Ah, se fosse mais macho... Ficava lá. Só que não güento. Quer dizer, não tem trema mais, ah, foda-se, fico com o trema e não abro: não güento e fiz a desfeita de sair rubramente da sala e ficar rindo de nervoso lá fora. Ninguém diria que tenho um CRP... Deixa quieto, shhhhhh!
Mas foi ótimo! Valeu a pena! Não fui macho pra ver a reação das pessoas, mas quem sabe um dia?
Valeu a força, galera do Clube da Leitura!
Ah, e tem também a Dani, a esposa sorridente do Maurício! Essa aí é muito legal também e adora beber as coisas mais doidas em festa de réveillon...
Pois é, ela ainda botou meu texto lá na lista dos que estavam sendo lidos e se vi bem (pode ter sido uma alucinação visual sim) colocou um voto lá!!! Quase meti a cara na terra, mas o chão não tinha terra e eu não sou minhoca...

Tem o fim?
Então: fim.
Tem ps?
Então, ps: Cláusulas é um texto que fiz tropeçado e soluçado (não no sentido de choro, mas no sentido de repentino, que fiz aqui pro blog e que retoquei pouquinho... Sobrou uma pag em branco do livreto e achei q valia a pena, já que havia tido comentários...).