sexta-feira, 24 de outubro de 2014

objeto interno



o que ele tinha? um objeto interno de quatro patas, talvez seis. um objeto interno feroz, desses que saliva muito e não cochila. um enredo particular, desagradável. uma partitura de música ausente.
ele tinha uma dor que não se esvaía, e volúvel. uma espécie de panóptico íntimo que o perseguia desde dentro.
ele tinha aquela angústia estriada, rugosa, áspera. umas bolhas prontas pra estourar, todas ao pé do ouvido, tímpano frágil, esguio. um barulho dentro das bolhas, a certeza do colapso.
o que ele tinha era uma unha cortante, enorme (centímetros), apontada pra garganta. uma incapacidade de dormir. dificuldade em acordar.
o que ele tinha era uma tragédia polissêmica assentada no chão do quarto. um horror sem nome encostado nas paredes. um medo terrível, a cada dia renovado.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

As horas mortas (Crítica)



As Horas Mortas (Las Horas Muertas), de Aaron Fernandez, uma produção México/França/Espanha de 2013, é um filme que eu adjetivaria como “mineiro”, no sentido de que, segundo o estereótipo arraigado, é quietinho, não faz alarde, vai mostrando a que veio devagar e, quando menos se espera, estamos completamente seduzidos pela história e pelos personagens.

O cenário é um motel na costa de Veracruz, no México, um lugar de pouco movimento e muita tranquilidade. Sebastián (Kristyan Ferrer), de 17 anos, é chamado a gerenciar temporariamente o motel de seu tio. Ele aceita ajudá-lo e passa a conviver com a rotatividade de casais nas tardes de ventania da costa, um movimento quase inexistente, enquanto tenta passar as horas (aparentemente mortas) como se não houvesse opções de entretenimento (não se vê um computador, o telefone celular não tem sinal praticamente em lugar nenhum, a televisão é inexistente). Todos os problemas do motel é ele que deve resolver, enquanto não se encontra uma camareira que possa fazer o serviço. Tudo parece meio morto, até ela conhecer Miranda (Adriana Paz), uma cliente do motel que vai se encontrar regularmente com seu amante, Mario, que sempre se atrasa. Miranda mistura certa frustração com o amante e a viva curiosidade pelos casais frequentadores do motel e pelo trabalho do jovem Sebastián, com quem vai travando uma intimidade cada vez maior.

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González (Crítica)



González, do diretor Christian Diaz Pardo, exibido no Foco México, teria tudo para ser um bom filme. E começa bem, mostrando o protagonista, González perdido pela cidade grande entre telefonemas de cobranças de dívidas, ligações da mãe e entrevistas para empregos. Ele tem o aluguel atrasado, assim como as prestações de uma televisão, que, por sinal, está sempre ligada em programas com apresentadoras de vozes estridentes. Os sons por onde González passa são inicialmente um personagem à parte, sejam aqueles oriundos da TV, constantemente ligada, ou de vendedores de bugigangas no transporte coletivo.

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Mil Vezes Boa Noite (crítica)



Mil Vezes Boa Noite, de Erik Poppe, é um filme denso. Retrata o drama de Rebecca (Juliette Binoche), uma respeitada fotógrafa que cobre situações delicadas em zonas de conflito de guerra. O filme se inicia com a sua participação em uma preparação para um ataque terrorista. Ela acompanha todo o processo e o ritual em que uma mulher é vestida com bombas que serão detonadas em um centro movimentado. Rebecca, munida de sua máquina fotográfica, testemunha as etapas delicadas que levarão à morte de dezenas de inocentes, e seu trabalho é documentar, através das fotografias, essa e outras situações limítrofes. Seu trabalho é de alto risco e após viver um acidente e a quase-morte, volta para casa, onde encontra o marido e as duas filhas, que, por sua vez, convivem com a constante ameaça de morte de Rebecca, uma vez que seu trabalho implica risco permanente.

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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Festival do Rio: Uma Boa Menina (Appropriate Behavior). Crítica.



Uma Boa Menina (Appropriate Behavior), de Desiree Akhavan, uma produção Estados Unidos/Reino Unido, relata uma fase difícil na vida da jovem Shirin, protagonizada pela própria Desiree Akhavan. Ela está em um momento de repensar sua vida profissional, é oriunda de uma família iraniana moradora do Brooklyn, tem um irmão comportado em um relacionamento que vai dar certo e é bissexual. O filme começa com o rompimento de Shirin com a namorada. Ela começa, então, uma tentativa de reconstruir sua vida amorosa e tem dificuldades de falar claramente sobre sua sexualidade com a família, talvez por perceber uma tácita rejeição à temática por parte de seus pais e irmão. Além disso, quer esquecer a ex-namorada e tenta a qualquer custo um novo amor. Shirin perambula por festas, encontros, eventos, exibindo um comportamento despojado e recalcitrante a qualquer timidez que a impeça de seduzir quem a interessa, seja por qual motivo for.

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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Saudades



Ele foi para outra cidade, produziu família e alunos, mas ainda falava com pássaros.

Ele rodopiava em filosofias, matemáticas, notas musicais, e era o mesmo, era o mesmo, ainda que fosse um punhado de diversos outros.

Ela foi para outra cidade, produziu matriarcado e carreira, criou um chão por onde caminhar (às vezes eu caminhava junto).

Ele voltou a ser louco, depois de ir embora, e já não se ouvia sua bateria.

Ela foi para outro país, produziu um inglês fluente, dava notícias aqui e ali.

Ela sumiu por 20 anos, trazia agora histórias tristes: tromboses, sustos, remédios.

Ele viajou sem volta, porque voltar era definitivo demais para ele.

Ele estava aqui, mas era outro, era outro, e não se via mais o mesmo.