quinta-feira, 6 de junho de 2013

Circunvoluções



Deise relê antigos textos. Cadernos de outras eras, ausência de pontos finais, manchas de café ou lágrima. Está sozinha em seu quarto e sala na Rua dos Inválidos. Abre gavetas, na esperança de achar uma novidade também antiga. Anda pela casa, que não é tão grande assim. Sente o chão frio e limpo, a primavera entra pelos pés, a cidade é transparente nessa época. Vai à cozinha, olha indecisa ao seu redor. Sai de lá vencida. A cama a espera também. Um livro que ainda não chegou à metade aguarda sereno. Tudo ao redor demonstra paciência infinita. Esconde todos os calendários da casa, a época é propícia à perdição. Lê durante uma ou duas horas algo que não escreveu e sente saudades de digitar um refogado qualquer de palavras que sirva de criação para a tarde alargada. Vai novamente às gavetas, especula os armários, a inquietude transpira junto com o suor. Deise procura outros textos que não parecem seus. Aqui, ali, acolá. Em silêncio, de preferência. Faz circunvoluções ao redor de seu próprio eixo e retorna ao ponto de partida.