domingo, 1 de março de 2009

Um mês depois (continuação)

(Continuação da postagem de 30 de janeiro).

A Beatriz estava adiando aquele troço de procurar um astrólogo até o dia em que perdeu o medo, a paranóia, a alergia, o receio, a descrença, a desconfiança, a ironia e os tiques nervosos e discou para um daqueles vários números que acumulou em suas consultas às suas amigas menos reservadas quanto a assuntos exotéricos e esotéricos.

Marcou a leitura do mapa para uma terça-feira e na véspera mal dormiu. Só pensava naquilo que a norteara durante anos e anos em sua opinião de que alguém que fala de você e de seu futuro acaba criando você e seu futuro. Que medo ela tinha de ouvir um rol de características pessoais ditadas por signos, astros, estrelas e passar, a partir daí, a ser exatamente do jeitinho que a lista de características indicava que ela era. Se soubesse que era extrovertida e ligada à família, na verdade poderia passar a sê-lo só pela sugestão de ouvir aquilo. E que medo tinha de ouvir a previsão de que conheceria, por exemplo, um 'moreno jambo' até outubro e passar, a partir dali, a só olhar para 'morenos jambos', que nunca haviam interessado à sua atenção e à sua libido. Fazer exatamente o que se devia fazer (e fazê-lo de modo inconsciente!) para que se cumprisse a profecia astrológica, fosse ela sobre morenos jambos, empregos públicos ou mortes inadiáveis! Medo enorme exorbitando poros e rachaduras de sua alma de que se criasse seu destino e sua linhagem! Ainda assim, cheia de sonos e bocejos, já que havia marcado, dirigiu-se para a casa da astróloga e, lá chegando, não hesitou nem um nem dois segundos antes de tocar a campainha.

A mulher baixa e enrugada, mas com um olhar azul límpido e refrescante, fez com que Beatriz subitamente esquecesse os receios que vinha acalentando com apego e orgulho e confiasse no que tinha a lhe contar a tal astróloga. Foram para a mesa de trabalho da mulher e ela ia começar a dizer alguma coisa. Ela ia começar a deslindar a inauguração de uma nova Beatriz e era preciso coragem para ouvir...

(continua).