sábado, 17 de outubro de 2009

as razões

Maria tinha vergonha de si mesma. Por diversas razões.
Uma das razões era não conseguir fazer de sua vida algo minimamente prazeroso.
O trabalho - não gostava.
O amor - não tinha.
A família - sem comentários.
Os gatos que tinha às vezes lhe faziam cócegas na alma. E era assim surpreendente.
Mas naquele sábado notou o desespero de se sentir inteiramente só. E completamente instável. E sem controle algum. Num mesmo dia, era capaz de sentir todas as gradações das emoções.
Ela estava tão decepcionada, que jogava a culpa em todos, mas sabia, ela sabia, que era a maior responsável por tudo aquilo.
Maria tinha vergonha de si mesma. Por muitos motivos.
E não conseguia esquecer-se deles distraindo-se com aquilo que antes era bom. Maria não criava mais como antes. Maria não era mais Maria. E se tornava um ser detestável para muitos.
Jogou o sábado fora, que era uma de suas únicas brechas de respiração durante a semana. Como os outros podiam entender o quão massacrante era sua rotina de segunda à sexta? Como os outros poderiam não ver aquilo como frescura? Ela não usava bombinha, mas a asma que sentia fazia com que se tornasse um zumbi de segunda à sexta, tentando puxar algum ar no sábado, e voltando a perdê-lo no domingo. Não tinha para onde correr, eram paredes o que via para frente e para trás, e era estreita a passagem. O esforço que ela fazia era desmedido. E talvez por isso acabasse se tornando um ser detestável quando sobrava um tempo: era uma ira acumulada contra tudo e todos (mesmo contra aqueles que não tinham parte em sua ira).
Maria se humilhava. Pedia ajuda. Pedia companhia. Pedia: posso dormir na sua casa só hoje para eu não ficar tão sozinha? Maria recebia a negativa, que não era novidade. E se arrependia de ter feito o pedido, para em seguida pedir de novo. Maria fazia a merda, sentia-se envergonhada, e repetia a merda no minuto seguinte. Maria era uma merda.
E Maria tinha vergonha de si mesma. Sem razão alguma.

2 comentários:

eu disse...

só a maria pode se ajudar. . quem busca a serenidade não decve-se perguntar se tem motivo, ou tem o direito de ficar sereno.pois a serenidade é ação e recompensa ao mesmo tempo. a serenidade é a matéria prima da cura e da felicidade.

eu disse...

como deve estar a maria agora? será que melhorou?