sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

videoclipe

A vida pareceria um videoclipe se fosse sempre assim com o fone de ouvido. Era melhor ainda dentro do ônibus, quando Ana pegava aquele que ia pelo Aterro do Flamengo. Ouvindo Creedence, era então ótimo. Num clima nublado, anunciando pingos, as cenas poderiam parecer o prenúncio da catástrofe ou o preâmbulo da melancolia. De modo que, se ela estivesse já previamente arrastando-se em certo humor triste, ainda que de leve, ainda que sutil, ainda que pálido, ainda que esboço, tudo se tornaria mais sugestivo de um dia cinza em todos os sentidos.

Era tanta a alegria acumulada nas últimas sete semanas ou mais, que até estava estranhando todo aquele negrume amarronzado. Tinha se esquecido de como era ficar triste. Tinha se esquecido de como era aquela coisa de sorriso endurecido, falta de vontade de botar o pé pra fora de casa e horror de pensar em ficar o dia inteiro dentro de casa. Surpreendente era ter se esquecido, pois a rigidez no sorriso e nos gestos e na coagulação sangüínea era algo de tão costumeiro para Ana - tão sempre, tão mesmo, tão todo dia - que agora era quase inverossímil o esforço que estava empreendendo para reter aquilo tudo novamente e ter que redescobrir como se movimentar naquelas condições.

Estava triste. Os pingos já caíam. As árvores e os ciclistas e as gramas do Aterro do Flamengo pareciam ter ensaiado com a música ou, melhor dizendo, pareciam seus donos, como se a tivessem criado, árvores, ciclistas e grama compositores. Tudo se encaixava perfeitamente bem e a imagem era tão dinâmica quanto bela. E alguém ao seu lado, todo de branco, fazia lembrá-la de que, no mundo, além das gramas do Aterro, existem doenças esquisitas.

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