Antes de o mundo acabar, é
preciso pegar um livro de contos recente, esse O Explicador, do Leonardo
Villa-Forte, lançado pela Editora Oito e Meio, e ler de um fôlego só. Antes de o
mundo acabar é preciso também agradecer a existência de uma editora que dá
oportunidade a novos autores de lançarem seus textos e algumas preciosidades
literárias, preciosidades essas que, desconfio, não ganhariam o terreno do
mundo tão logo. Antes de o mundo acabar, é preciso ler o conto que fecha O
Explicador, Notícias de antes do fim, que nos pega pela mão numa jornada de cenas
e acontecimentos que se dão antes do fim do mundo e que, consequentemente, nos
impelem a um jogo mental bem típico de obsessivos – um labirinto tortuoso e
prazeroso – de hipóteses a respeito do fim. Mas, antes de o mundo acabar, é
preciso ler também os contos A mulher que não soube fantasiar, O batismo do
objeto ou Comunicação, para pinçar alguns num jogo de menções honrosas difíceis
de destacar.
Bem, eu queria ter lido antes o
primeiro livro do Leonardo Villa-Forte, mas só pude agora. E aí vem o espanto quando
me dou conta de que este é o primeiro livro do autor. A maturidade da
linguagem, a maneira como aborda os temas escolhidos para seus contos e os
projetos literários que vem criando talvez tenham incutido em mim a certeza de
que O Explicador era, no mínimo, o segundo livro de Leonardo Villa-Forte (ah,
essas certezas psicóticas que abalam a convicção de normalidade de uma
neurótica como eu... De onde tirei a certeza de que esse livro seria o segundo
do autor, nem mesmo minha analista seria capaz de explicar). Mas, não, é o
primeiro. Antes disso, vieram tantas coisas que vou destacar apenas duas: a
premiação de Villa-Forte no Prêmio Off-FLIP de contos e o belíssimo Paginário,
intervenção urbana que espalha pela cidade (e além dela, há Paginário em
Petrópolis também!) trechos literários escolhidos por autores diversos. Aliás,
antes de o mundo acabar, é preciso conferir um desses Paginários.
Como diz Paulo Scott na orelha do
livro, Villa-Forte trata das “funções e disfunções da existência humana, das
suas percepções variadas, da sua inclusão inevitável na mecânica dos
relacionamentos e rotinas”, e é exatamente isso. É como se Villa-Forte
escolhesse situações e impasses para tratá-los de modo cru, sem abrir mão,
contudo e ainda bem, de conduzir o leitor por uma história interessante, no que
tem de metafórica e de realista a um só tempo.
Afinal, quem nunca se viu
perplexo diante de um informe ou de uma dizer publicitário, ficou pensando
sobre aquilo e se imaginou tratando longamente do assunto com quem de direito?
Esse é o caso do cliente do restaurante vegetariano, amofinado com a placa que
diz que “a verdade está no verde” e que não se furta a esmiuçar a questão com o
gerente, no conto Peça Publicitária. Por outro lado, no conto Necessita-se de
Profissional do Medo, título por si só instigante, as verdades são colocadas na
mesa e ninguém finge intenções outras: o comunicado e o pedido são claros,
contrata-se o funcionário que tem tudo para dar certo na empresa, e seu
requisito essencial (o título já nos diz qual seria) é o que garantirá a sua
permanência no emprego. Já O Explicador, conto que dá nome ao livro, trata desse
problema crucial do homem que se faz ausente nas ocasiões em que sua presença é
esperada. “- Querem ou não querem que eu explique os motivos dele não vir
quando é chamado?”, é o que tenta o explicador, mas a tarefa é árdua, o assunto
é espinhoso, os ânimos estão aflorados e a comunicação ganha aí seus maiores
ruídos. Assim é a narrativa de Leonardo Villa-Forte: acentos irônicos e
personagens ao mesmo tempo inocentes e perspicazes, insistentes e cismados, que
se deparam constantemente com os absurdos das rotinas, dos hábitos, das
instituições.
Quando dou por mim, o livro vai
chegando ao seu final. Concluo, então, que antes de o mundo acabar é preciso
terminar o livro e, se der tempo, reler alguns contos. Em voz alta, de
preferência.
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