sexta-feira, 22 de junho de 2012

Associação Livre



Ela sabia que na semana que vem tudo teria de estar bem, inclusive sua dor no corpo teria de passar, sem contar a tosse, que teria de estar silenciada. A tosse tinha a potência do grito somada à dor do parto. Ela não sabia muito bem como era a dor do parto, mas ela sabia o que uma tosse podia provocar, desse jeito alérgico e persistente. Aliás, refletindo sobre isso tudo, ela julgou que gostaria de ter a persistência de sua tosse, mas seu forte era o pessimismo. Tão pessimista era ela, que acabava desistindo de uma série de coisas que se apresentavam confusas. Na verdade, ela sabia o quão confusa ela própria era, e não se enganava quanto à vida, que não tinha nada de exata e homogênea. Talvez fosse por isso que ela não gostasse muito de ciências exatas: quanto mais exata e quanto mais ciência, menor a parcela de vida no que quer que seja. Ainda que soubesse de tudo isso, era puro raciocínio, pois as conclusões - e uma delas era: a normalidade é a confusão - não traziam serenidade a ela. No afeto, na sensação, no sentimento, ela achava que tinha que ser menos confusa e que a vida tinha que ser menos embaralhada também. Tudo lhe parecia uma grande mixórdia de nomes, recortes, cenas incongruentes, lógicas enviesadas, tudo lhe parecia entulho, pois era míope, e se não ajustasse a vista, enxergaria o mundo pelo avesso. E ela dizia a si mesma que o avesso era sua vida, ainda que concordasse que era difícil não encontrar uma vida pelo avesso. E que há avessos menores e maiores, além dos médios, e que se parasse para pensar, sua vida era um avesso diminuto. O principal da sua desrazão era não saber se seu nome correspondia a ela mesma e se havia o ela mesma embaixo do seu nome (ou a ele interligado), tanto que pretendia trocar alguma coisa essencial em sua vida. E se questionava o que era vida e pra que ela servia. Não atinava com a idéia de que a meta da vida seria a diversão, isso era muito pouco, muito pouco. Não atinava com essa gente toda que achava que viver a vida é se divertir em todos os sábados, ainda que ela adorasse uma diversão, e também os sábados, e sobretudo os sábados divertidos. Ela não atinava com muitas coisas e resolvia escrever, para ver se encontrava algum sentido e algum fio da meada. Reconhecia que, se encontrasse um fio da meada, qualquer tipo de criação e até de pensamento teria fim. Ela gostava dos finais, porque as interrupções, suspensões e términos traziam também alívio, ela precisava sentir alívio. E pensando nisso tudo relembrou que já estava numa insônia braba só porque começara a se lembrar de que a semana que vem não seria uma semana anódina e ela precisava estar minimamente saudável, com os leucócitos em dia, com as hemácias na medida certa, com as plaquetas funcionais, com as glândulas corretas, porém agora o que não a deixava em paz era uma tosse e um resfriado que gostaram muito dela e não havia reza e bênção que dessem jeito de expulsá-los de seu corpo minguado, de sua garganta esfacelada e de seu restinho de semana,  que era a semana anterior à semana que vem.


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