Segundo Diego Molina,
diretor artístico desse ótimo Radiofonias
Brasileiras, “isto não é um musical”. Como ele explica no programa do
espetáculo, “A música (...) não comenta, não repete (...), não alegra, não
adjetiva a cena. Ela é a cena”. E é exatamente isso.
Radiofonias Brasileiras, cuja autoria é de Bosco Brasil, em cartaz no Teatro Alcione Araújo, dentro da Biblioteca Parque Estadual (e com
quatro sessões com acessibilidade, como se pode conferir no Serviço, mais
abaixo), tem um enredo instigante que se sustentaria sem qualquer intervenção
musical, mas ainda a tem, e na medida certa. Chuto arriscar que talvez seja
essa mistura o que o torna um espetáculo completo: um pano de fundo histórico e
importante da vida política brasileira, a justa medida musical e muito bem
interpretada pelos atores e pela banda e, finalmente, a ficção envolvente dos
bastidores de uma rádio que, aos poucos, vai perdendo espaço e talentos para a
televisão.
A direção musical é de Tato
Taborda e o espetáculo faz releituras de importantes músicas da época, como
“Wave”, de Tom Jobim, “Marginália 2”, de Gilberto Gil e Torquato Neto,
“Parque Industrial”, de Tom Zé, para citar apenas algumas entre inúmeras outras. A história
ocorre entre os anos de 1963 e 1973, cenário do Golpe de 64, em que a
influência dos militares nos meios de comunicação era absoluta. O medo, as
alianças, as traições, os favores e algumas paixões acontecem em meio às
novelas de rádio, aos jingles, às opiniões políticas.
O grupo (sete atores e quatro músicos, estes últimos da Banda Hétera), que nos guiará pelas
intrigas e reviravoltas do enredo, já nos seduz de cara, abrindo o espetáculo
em modo-fanfarra e entrando por trás, pela mesma porta por onde nós, espectadores,
entramos.
A peça começa alegrando para, em seguida, dar lugar a certa
introspecção do que seria mais uma madrugada de trabalho do autor de novelas Amílcar
Maranhão (Reinaldo Gonzaga,
excelente, carismático até quando apenas acompanha as cenas e as falas dos
colegas com quem divide o palco).
Após sua morte, ele é convidado pelo diabo, Maíra Lana (também ótima, conseguindo
mesclar, em sua atuação, um misto de sedução, ironia e fina superioridade), a pinçar fatos de sua memória em
ordem opcional (ela faz essa concessão ao protagonista, mas está sempre por
perto para fazer ajustes necessários, questionar, ironizar e pontuar a ausência
de veracidade dessa memória pouco confiável em alguns momentos).
O enfoque dessa rememoração derradeira se dá sobre seu
trabalho nos últimos anos da Rádio Nacional, no Rio de Janeiro. Pedro Lima, que representa o poderio
antipático dos militares da década de 60 e seguintes, também está muito bem no
papel (e o ator também assina a preparação vocal da peça), assim como Luciana Bollina, também ótima no papel
de Nice, outra funcionária da redação que vai alçando voos maiores em sua
carreira. Todo o elenco (Adriana
Seiffert, Alessandro Brandão, José Mauro Brant e George Luis Prata) nos emociona com um trabalho de equipe
fantástico e atuações vibrantes (quase todos interpretam mais de um papel).
A peça é dinâmica, seus personagens são sólidos e tudo é
pontuado pela música que nunca é demais. Há momentos surpreendentes, outros de
graça (como os da novela de rádio) e alguns outros de beleza tocante (em
especial, a cena que agrega Nice, a autora de novelas,
cantando com a máquina de datilografar sobre os joelhos e dois personagens
dançando de modo comovente a Ave Maria
dos Namorados).
É importante dizer, finalmente, que a luz de Aurélio de Simoni ajuda a compor lindamente
o dinamismo da peça e está irretocável, e a direção de movimento de Sueli Guerra permite que se explore ao
máximo e harmonicamente o ótimo cenário assinado por Aurora dos Campos, que, por seu turno, além de proporcionar o
aproveitamento do espaço do palco, permite vários planos interessantes de
diálogos entre os atores, colocando-os em posições diferenciadas de poder e
dominação, ainda que tais posições sejam sempre fluidas e passíveis de mudança.
Bosco Brasil e Diego Molina comemoram dez anos de parceria
neste musical, cuja temporada vai até 19
de dezembro, contando ainda com duas sessões com acessibilidade para
pessoas com deficiências auditiva e visual.
FICHA TÉCNICA
Texto:
|
Bosco Brasil
|
Direção Artística
|
Diego Molina
|
Direção Musical
|
Tato Taborda
|
Elenco
*Todos os atores interpretam mais de
um personagem, exceto os dois protagonistas. Aqui estão destacados os
principais de cada um.
Músicos em cena
|
Reinaldo Gonzaga (Amílcar Maranhão), Adriana
Seiffert (duas Fúlvias – Melíflua e Magnífica), Alessandro Brandão (Zero
Ponto), George Luís (Cacique), Luciana Bollina (Nice), Maíra Lana (Diabo),
Pedro Lima (Villarino), Zé Mauro Brant (Tetê).
Antonio Ziviani, Breno Góes, Felipe Ridolfi e Pedro
Leal David (Banda Hétera)
|
Cenário
|
Aurora dos Campos
|
Figurino
|
Colmar Diniz
|
Iluminação
Visagismo
Adereços
Assistente de Direção
Preparação Vocal
|
Aurélio De Simoni
Diego Nardes
Tuca
Carolina Godinho
Pedro Lima
|
Preparação Corporal
|
Sueli Guerra e Priscila Vidca
|
Fotos e Vídeos
|
Ananda Campana
|
Programação Visual
|
Thiago Sacramento
|
Intérpretes de Libras
Audiodescrição
|
Jdl Acessibilidade
Nara Afonso Monteiro
|
Assessoria de Imprensa
Assistente de Assessoria de Imprensa
Assistente de Cenografia
Direção de Produção
Produção Executiva
|
Daniella Cavalcanti
Fernanda Miranda
Paula Tibana
Maria Alice Silvério
George Luis, Janaina Avila, Thamires Trianon e
Valéria Alves
|
Realização
|
2bb2 Produções Artísticas
|
SERVIÇO
Temporada: 06
de novembro a 19 de dezembro
Local: Teatro Alcione Araújo da Biblioteca Parque
Estadual (Av. Presidente Vargas, 1261 -
Centro)
Telefone: (21) 2232-7225
Horário: quintas e sextas, às 19h, e sábados, às
18h. Em dezembro, sessão também às quartas (dias 02, 09
e 16/12), às 19h
Ingressos: R$30,00
Gênero: musical
Duração: 120 minutos
Capacidade: 195 lugares
Classificação: 16 anos
Bilheteria: abre 1 hora antes do espetáculo
Sessões com
acessibilidade:
21/11 (sábado) e 12/12
(sábado) - sessões
com audiodescrição para pessoas com deficiências visuais (haverá também o
programa digital)
14/11 (sábado) e 16/12
(quarta-feira) - sessões com intérpretes de Libras - a língua brasileira de sinais -
para pessoas com deficiências auditivas
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