sexta-feira, 29 de abril de 2016

Crítica: Myrna sou eu (Teatro)


Myrna. Esse era o pseudônimo de Nelson Rodrigues em suas crônicas no Correio da Manhã, voltadas a assuntos sentimentais, geralmente femininos. Assim, o divertidíssimo monólogo Myrna Sou Eu – Consultório Sentimental de Nelson Rodrigues, com direção, adaptação e roteiro de Elias Andreato, surge exatamente dessa personagem, que responde às perguntas das ouvintes no programa de rádio Consultório Sentimental.
O ator Nilton Bicudo alcança êxito ao construir uma dramática e engraçadíssima Myrna, uma Myrna que se entrega verdadeiramente às questões trazidas pelas mulheres (e alguns homens) que lhe escrevem, que se envolve e que está ali de corpo e alma. É desse modo que a Myrna de Bicudo se ofende com insinuações contidas nas cartas, se espanta com as histórias ali narradas, se emociona, deixando até mesmo escorrerem algumas furtivas lágrimas, e se surpreende com as revelações e os problemas existenciais com os quais se depara. E as respostas que tem a oferecer, quando propõe à ouvinte para “raciocinar junto” com ela, não são nada óbvias.
Na verdade, Nelson Rodrigues, como o gênio inegável que foi e como, ao mesmo tempo, um homem de sua época, consegue encarnar o paradoxo (tão presente em outros gênios, como Freud, por exemplo) de se antecipar à e ir além da visão consensual muito própria do contexto em que viveu e, a despeito disso, construir pensamentos que não deixam de ser embebidos nesse mesmo contexto ao qual é tantas vezes hábil em ultrapassar. Em suma, pode-se dizer que ele está, a um só tempo, dentro e fora da cultura, imerso nela e além dela.
E é esse aspecto o mais interessante no texto que embasa as falas de Myrna, adaptado por Andreato: ela é uma mulher de sua época sim, que defende a paixão da mulher, a entrega total na relação afetiva e a supremacia do amor, mas que reconhece (e defende) uma série de outros dilemas que fogem a qualquer tipo de clichê.
Assim, ela recomenda à mulher feia que seja difícil em relação às investidas de um homem bonito que está no seu encalço, porque é desse modo que ele vai passar a achá-la ‘lindíssima’; ela recomenda a traição, quase um remédio para evitar o divórcio, e nesses e em outros conselhos, Myrna vai transitando em uma área fronteiriça entre os costumes morais arraigados de seu tempo e as transgressões quotidianas e secretas a esses mesmos costumes.
O interessante na personagem de Myrna e toda a sua dramaticidade é justamente não derivar nem para um paroxismo do politicamente correto, nem, no entanto, se desfazer completamente de alguns motes básicos da moral e dos bons costumes típicos da época. E é exatamente por isso que o monólogo se torna extremamente interessante e Myrna, com toda a sua franqueza e tons proféticos, cativa o público imediatamente.
A peça retrata um dia na programação de Consultório Sentimental, e o cenário (também assinado por Elias Andreato) reconstrói o ambiente da rádio de onde nossa protagonista fala. O espetáculo intercala as respostas que a personagem oferece às ouvintes com os intervalos e ‘reclames’ da programação da época, que ajudam a construir uma atmosfera anacrônica e nostálgica do contexto da era do rádio.
A peça fica em cartaz no Teatro Poeira até 25 de maio.

SERVIÇO

Local: Teatro Poeira – R. São João Batista, 104 – Botafogo
Temporada: de 06 de abril a 25 de maio
Terças, quartas às 21h.
Duração: 70 minutos.
Classificação indicativa: 12 anos.
Ingressos: R$ 50,00 (inteira) e R$ 25,00 (meia).
Vendas: Ingresso.com e Bilheteria: 3ª a sábado de 15h às 21h e domingo de 15h às 19h (21) 2537-8053
Clientes Porto Seguro + 1 acompanhante tem 50% de desconto

FICHA TÉCNICA

Texto: Nelson Rodrigues
Adaptação, Roteiro e Direção: Elias Andreato
Diretor Assistente: André Acioli
Interpretação: Nilton Bicudo
Trilha Sonora Composta: Jonatan Harold
Figurino: Fabio Namatame
Visagismo: Allex Antonio
Cenografia: Elias Andreato
Fotos: João Caldas
Projeto Gráfico: Vicka Suarez
Produção: Solo Entretenimento
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação

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