domingo, 11 de dezembro de 2011

Aos domingos


Aos domingos, Madá acordava no mínimo às dez e no máximo ao meio-dia. Levantava-se silente, tomava seu café fraco, banhava-se e ia caminhar pelas ruas da Glória. Às vezes passava na feira, comprava alguns legumes, outras vezes ia até o Aterro do Flamengo, observava as famílias felizes, as crianças bem dispostas, o sol iluminando o asfalto, a grama, o horizonte. Voltava pra casa, almoçava se tinha fome, às vezes no restaurante da Andrade Pertence, às vezes em casa. Raramente tinha companhia, mas gostava de observar o movimento típico dos dias de folga da maioria das pessoas. Aos domingos, seu marido Carlo fazia seu plantão na clínica psiquiátrica e estava acostumada, Madá, a passá-los sozinha, uma vez que não era a folga de Carlo.
Muito de vez em quando Madá ia ao cinema com Olga, amiga de colégio, mulher tão dedicada aos filhos e ao marido que era raro ter um domingo livre assim para tomar um café, bater um papo, ir ao cinema (era mais comum conversar com Olga pelo bate-papo da internet). Malgrado não tivesse companhia certa, Madá não se sentia triste aos domingos embora aquela menina, Tábata, que agora a via caminhar solitária no Aterro achasse todo aquele silêncio um indicativo de uma solidão difícil de contornar. Afinal, Tábata estava no Aterro, com seu pai, sua mãe e seus dois irmãos mais velhos, Tadeu e Tiago, num dos variados passeios que seu pai inventava para todo domingo. Tábata estranhava as pessoas sozinhas, que passavam mais do que dez minutos entretidas em alguma atividade silenciosa sem nenhuma companhia, porque, até ali, companhia era o que Tábata mais tinha em sua vida (a começar pelo quarto, que tinha que dividir com Tadeu e Tiago). Aquela mulher que andava calmamente pela grama, chinelos nas mãos, não teria filhos, não teria um namorado, não teria irmãos? Mas Madá não fazia idéia de que aquela menina franzina e de óculos a observava com leve e brevíssima perturbação. Se notasse aquela atenção que a menina lhe dedicava, teria feito alguma diferença? Teria parado para explicar, dizer que não era nada daquilo, contar-lhe, com doçura e paciência, que a felicidade não vem sempre acompanhada (e geralmente vem sozinha)? Teria mostrado a ela outras partes do mundo que talvez Tábata só pudesse compreender (se um dia acontecesse) muito tempo depois? Teria falado a ela de Clarice Lispector, de Guimarães Rosa, de Fernando Pessoa e de que tudo isso e mais muitas outras coisas só se pode desfrutar sozinho (ainda que haja alguém ao seu lado)? No entanto, Madá caminhava, naquele domingo, envolta em felicidade tão tranqüila que não percebia que a olhavam. Não se incomodava de não ter filhos. Não se incomodava de que Olga ou qualquer outro de seus pouquíssimos amigos estivessem envolvidos com suas vidas cotidianas, suas tarefas costumeiras, suas famílias felizes ou não. Aquele era um dia em que Madá tinha todo para si e para seu pensamento. E, por razões diferentes de Tábata, adorava os domingos: eram dias sem horário, sem demarcações, sem exigências, sem semblantes forçados. Por mais duradouros que fossem os domingos, neles era possível caber qualquer coisa, sem que houvesse uma imposição externa, salvo raríssimas exceções. Era o dia em que Madá fazia as suas descobertas sozinha mesmo, do jeito que mais gostava, para depois compartilhá-las ou não com Carlo, com Olga, com o mundo.
Naquele domingo, chegaria em casa, leria alguma coisa, descansaria, navegaria um pouco na internet e tudo bem. Talvez fizesse um brigadeiro. Talvez ligasse para Olga, para saber se tudo bem, como vão as coisas. Talvez escrevesse um e-mail. Talvez abrisse sua caixa de antigas cartas e relesse algumas. Havia alguma possibilidade de que fizesse uma arrumação em seu armário. Ou talvez dormisse cansadíssima. Talvez não fizesse nada e visse Fantástico. E tudo ficaria bem, tudo bem. Porque aos domingos, longos ou curtos, invernais ou outonais, ficava sempre tudo bem.

Um comentário:

Dani disse...

Lindo conto, Vivian. Lindo isso que transcrevo aqui: "Por mais duradouros que fossem os domingos, neles era possível caber qualquer coisa, sem que houvesse uma imposição externa, salvo raríssimas exceções." Lembrei de um conto que escrevi sobre as quartas-feiras, há muito tempo. Vou ver se encontro. E vou olhar para os domingos com esse olhar de muitas possibilidades.