Em uma ficha de 18 de julho de 1978, Roland Barthes escreveu: "A cada um seu ritmo de
sofrimento". Algumas semanas mais tarde, escreveu o seguinte trecho, datado de 1 de agosto: "Horrível figura do
luto: a acídia, a secura de coração: irritabilidade, impotência para amar. Angustiado
porque não sei como recolocar a generosidade em minha vida - ou o amor. Como
amar?". Esses curtíssimos excertos foram reunidos em
um belo livro chamado Diário
de Luto, que consiste em fichas que Barthes foi escrevendo, após a morte de
sua mãe, Henriette Binger, em 25 de outubro de 1977. Os textos que compõem esse
Diário ajudam a elaboração do luto vivido por Barthes, logrando colocar em
palavras certas vivências dolorosas cujos ganchos com o léxico conhecido são às vezes
frágeis, outras vezes, inexistentes.
Talvez se possa dizer que a peça Mamãe, interpretada por Álamo Facó, seja uma espécie de
elaboração de luto ou de construção de ganchos com o sentido. O espetáculo,
dirigido por ele em conjunto com César
Augusto, é completo. E muito
tocante.
O texto foi escrito a partir de um
processo de criação que Álamo denominou de "A síntese do relevante",
e nisso se assemelha muito às fichas escritas por Barthes após a morte de
Henriette. Originou-se após o diagnóstico de tumor cerebral de sua mãe, Marpe Facó, e seu falecimento
cem dias depois.
Álamo Facó vive ele mesmo, no papel de
Lázaro, e sua mãe, que é Marta. A interpretação de alguns momentos cruciais
dessa vivência de despedida, perda e dor é tão exata que podemos sentir o
desespero que toma conta dos personagens, pontuado pelo humor possível em
situações como essa. Se não fosse dar spoiler desses momentos, eu os descreveria,
mas apenas mencionarei aquele em que a
personagem de Marta está com a consciência rebaixada e alterada, momento em que
os pensamentos e a percepção da realidade são distorcidos e mesclados com
ideias aparentemente sem sentido ou sem conexão imediata com o contexto ao
redor. A excelência da interpretação de Álamo é tal que é como se estivesse
guiando a nossa própria consciência (no que tem de volátil, imaterial e ilógica).
De fato, lembra aquelas ocasiões em que estamos adormecendo, e um pé nosso está
na vigília, o outro está avançando para o mundo onírico, e tudo se confunde.
A atuação de Álamo como Lázaro e como Marta está irretocável,
assim como o cenário, de Bia
Junqueira, que remete ao hospital em que Marta está internada e também ao
quarto ou à casa de Lázaro. A trilha sonora, assinada por Álamo Facó e Rodrigo Marçal, é também excelente, assim como a
direção de movimento/co-direção, de Luciana
Brites, e a direção musical, de Rodrigo
Marçal.
A peça é, portanto, um deleite em todos os
sentidos: texto, direção, atuação, experiência estética e tudo o que movimenta
em termos de emoções e reflexões no espectador, porque não há quem não tenha
perdido um ente querido ou que tenha participado, de modo mais ou menos
próximo, de uma perda vivida por alguém querido.
Acredito que essa belíssima Mamãe
corrobora, de algum modo, aquilo que Barthes tenta compreender acerca dos
sentimentos mobilizados pela perda de Henriette, sua mãe. Ele diz, em outro
trecho de 1 de agosto de 1978: "Minha tristeza é inexprimível, mas, apesar de
tudo, dizível. O
próprio fato de que a língua me fornece a palavra 'intolerável' realiza,
imediatamente, certa tolerância". A arte, arrisco, é aquilo que torna
dizível o que periga se tornar intolerável.
Ficha Técnica
Texto e
atuação: Álamo Facó
Direção: Álamo Facó e Cesar Augusto
Direção de produção: Carlos Grun
Direção de movimento/ co-direção: Luciana Brites
Direção Musical: Rodrigo Marçal
Cenário: Bia Junqueira
Luz: Felipe Lourenço
Trilha Sonora: Álamo Facó e Rodrigo Marçal
Direção Musical do Performer: Lan Lanh
Figurino: Ticiana Passos
Preparação Vocal: Sonia Dumont
Fotos: Julio Andrade e Miguel Pinheiro
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
Projeto gráfico: Mary Paz
Produção e Realização: Bem Legal Produções e Álamo Facó
Parceria: Sábios Projetos
Colaboração Artística: Dandara Guerra, Fernando Eiras, Remo
Trajano, Julio Andrade, Tamara Barreto, Lidoka Martuscelli, Andrucha
Waddington, Lully Villar, Marina Viana, Victor Garcia Peralta, Cristina Flores
e Renato Linhares
SERVIÇO
Espetáculo: MAMÃE
Local: Espaço SESC –
Sala Multiuso (Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana/ RJ 25470156)
Texto e atuação: Álamo Facó
Categoria: Drama
Elenco: Álamo Facó
Estreia: 03 de dezembro
Temporada: de quinta a domingo até 20
de dezembro de 2015
Horário: de quinta a
sábado às 19h, domingo às 18h00
Preço: R$ 20,00; e R$ 5,00 associados SESC e R$
10,00 estudantes e idosos
Bilheteria: terça a domingo das 15hs às 21hs
Duração: 70min
Classificação: 12 anos
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