Você me pergunta
se existe uma coisa chamada morte. Eu retruco perguntando da vida, você nada
diz. A gente fica se olhando, você, casmurro, eu, idiota, e ninguém tem a
resposta. Segundos se passam, alcançamos os minutos, a vida, se flui, não é
aqui, nessa sala de janelas fechadas. A vida, se flui, é lá fora.
Você me pergunta
se o corpo é separado da alma, você me pergunta se Descartes pensava. Eu digo
que sim, claro que sim, Descartes pensava. Você me diz, óbvio, óbvio, óbvio, que
então ele existia. Você me pergunta se prefiro Jesus ou John Lennon, eu te pergunto
se minha vida vale a pena, você não sabe se me diz a verdade. Você quer dizer
alguma coisa, balbucia, engasga, o refluxo te condena a me dizer o que não
quero ouvir.
Você pensa num
lugar onde foi há muito tempo (havia um rio, havia grutas, o céu espiava com
cores de outra ordem) e se pergunta, sem nada me dizer (eu adivinho, sei de
tudo) se o lugar existe enquanto você não está lá. A isso não sei responder,
sou sincera. Levanto outro assunto e afirmo logo que prefiro Platão a
Aristóteles. Você diz que prefere Jung a Freud, eu teço comentários sarcásticos
a respeito da sua mãe, você prefere não dizer um palavrão. Novamente o silêncio
nos faz ponderar nossas vidas, nossas mortes, nossas vidas-mortes-severinas.
Eu recito um
poema de Fernando Pessoa, você rebate com os bichos escrotos dos Titãs. Um suspiro
escorrega para fora de mim e não há como recolocá-lo em seu lugar. Um soluço
pula fora de você. Novamente, nenhuma conclusão. Acordo algum. O silêncio nos
prefere.
Eu existo minha
pergunta, você descarta sua resposta. Não sabemos o que dizer um ao outro, mas,
quando me levanto, cansada, digo que sei o que fiz com a minha alma. Sei onde
ela está, sei o que dizer dela, há uma palavra que se pode atribuir à alma, ela
existe, mesmo que sua substância me ultrapasse. Digo que sei o que fiz com ela
e que, se se pode falar dela, ela é.
Você pergunta: O
que ela é? O que você fez com ela?
Digo, sem acanhamento,
que minha alma está retorcidinha, espicaçada, picotada, digo que minha alma,
por mim desfigurada, já não é ninguém sem mim. Eu a pisoteei sem dó, e agora ela
está debaixo dos teus pés.
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