quarta-feira, 21 de outubro de 2015
chave
a chave da gaveta não está comigo. não no meu bolso, não no meu chaveiro, não sobre o meu console, não na fechadura da minha porta. aliás, não tenho porta e as janelas já se escancaram há muito. a chave da gaveta não está onde eu possa ver, nem mesmo na bolsinha da frente da mochila. a chave da gaveta não está tampouco perdida em um lugar impensável, e ouço seu tilintar esporádico e cru, esporádico e cru, ecolálico e nu. não cabe mais nada nessa gaveta asfixiada, nem traças, nem ácaros, não cabe a minha respiração, não cabe a mínima inspiração, não mais, não mais. e se poeira ainda puder se acumular em frestas entre papéis escritos todos de cabo a rabo, frente e verso, tem de ser da mais fina que há, uma poeira de não causar espirros, de não causar sussurros. coço a cabeça, respiro fundo e admito, suada, que não me cabe mais a busca. é com esse meu outro que está a chave da gaveta em que tudo está guardado, e é somente a ele que cabe a decisão de abri-la.
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