quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Teatro: In Extremis (Cia. Os Limítrofes)


Existem aqueles espetáculos teatrais que são impecáveis do início ao fim. Assim é com InExtremis, essa formidável peça que acaba de estrear no Teatro Poeirinha, da Cia Limítrofes. O texto, interessantíssimo, é de Neil Bartlett, e a tradução e a direção cabem a Bruno Guida.
No caso de In Extremis, o início do espetáculo pode ser o momento em que nós, espectadores, entramos e sentimos o cheiro do ambiente. A composição que ora encontramos recende a algo especial. Sentimos o cheiro do lugar, ou a ambientação é tão bem feita que nos leva a uma ilusão de cheiro. De qualquer maneira, o início, quando demarcado a partir do olfato, é ainda mais radical e anterior a qualquer apreciação lógica dos elementos do espetáculo.
Vamos então, nos sentando, nós, pessoas comuns que 120 anos depois formamos essa plateia bisbilhoteira que quer saber o que aconteceu na consulta de Oscar Wilde com a cartomante Mrs. Robinson. Sim, somos bisbilhoteiros, ela nos diz isso lá pelas tantas e aguça nossa curiosidade, criando jogos de espera e tensão que são os mesmíssimos jogos que diz construir com seus clientes ávidos por aquilo que todos querem quando a procuram: “o impossível”.
Mas, voltando ao começo, vamos entrando e lá estão eles, em suas respectivas cadeiras, em suas respectivas exuberâncias, mortos, jazendo num pedaço de eternidade que já dura mais de século: a cartomante e o escritor. E é a partir daí que os personagens resolvem nos contar o que aconteceu (ou o que se supõe ter acontecido, deixando que os hiatos sejam preenchidos pela nossa imaginação, aumentando o mito que envolve Oscar Wilde).
É disso, em síntese, que trata a peça: pouco antes do julgamento de Oscar Wilde, o escritor procura a cartomante em desespero. Ele quer saber o que deve fazer. Fugir? Ficar? Enfrentar o processo? Em caso de fuga, quando? Deve tomar o trem de que horas? Apressar-se ou se tranquilizar? Esse é o mote do encontro, mas a peça, claro, vai muito além, e explora a atmosfera de mistério que envolve uma consulta oracular, que implica a busca do impossível. Para incrementar o espetáculo, a equipe fez treinamento em hipnose com Fabio Puentes e consegue transpor para a encenação o clima de expectativa, temor e suspense próprios à adivinhação do futuro.
Merecem destaque em capslock as atuações de Daniel Infantini e de Flávio Tolezani. Daniel Infantini está um escândalo como Mrs. Robinson: para começar, sua capacidade de sustentação do mistério e de penetração do olhar associam-se à maneira como joga com a plateia e com o personagem vivido por Flávio Tolezani. Fica claro que estamos à sua mercê. Além disso, a sutileza de alguns trejeitos (como quando muda de óculos a cada vez que vai examinar uma linha da mão específica para cada área da vida e como se mira no espelho para conferir como está) e toda a mise-en-scène que valoriza o olhar aguçado da cartomante capaz de enxergar o que ninguém mais vê.
Há também os momentos em que o estardalhaço substitui, num rompante, seu jeito misterioso e comedido, além da fina ironia com que fala de seu trânsito entre as diversas ladies que a convidam para festas ou que buscam seus serviços (entre as quais, Lady Brokeback Mountain). Mas o mais interessante, e que está ligado a todo o resto, é a construção do personagem-adivinho que Mrs. Robinson vai, ao mesmo tempo, nos mostrando e colocando em prática também conosco. A Mrs. Robinson de Infantini envolve o cliente e também a plateia, há um jogo duplo acontecendo em cena e estamos todos juntos com Oscar Wilde, receosos, desconfiadíssimos e querendo mais, avançando e recuando.
Mas, não fosse apenas isso, ainda temos Flávio Tolezani, também irretocável como o desesperado Oscar Wilde que, apesar de sua situação frágil e angustiante perante acusações que poderão mudar o rumo de sua vida, não se deixa levar por seu desespero e não facilita em nada o trabalho da cartomante. Ela é esperta, mas também se vê em apuros diante de ninguém mais, ninguém menos do que Oscar Wilde.
O desespero do escritor é comedido sim, ele está por cima ainda que se saiba por baixo, e oscila entre a consciência que tem de seu poder de criação como artista e a realidade menos glamorosa em que se encontra. O ator presenteia a plateia com seus olhares mesclados de desconfiança e desafio para Mrs. Robinson, sustentando um misto de arrogância e pavor que ele não entrega barato. Seu personagem é duro na queda, embora deslumbrado consigo mesmo, e o ator constrói essa caminhada periclitante em que se encontra o escritor, quase cedendo, quase implorando, mas situando-se no mesmo nível de mistério que a sua interlocutora experiente. Já esta última é capaz de rir e debochar de seu próprio deslumbramento.
A peça tem consistência em todos os sentidos (além do olfato). Daniel Infantini merece aplausos também pelos figurinos e pela maquiagem, e Flávio Tolezani pela cenografia. A iluminação de Aline Santini e os adereços de Marcela Donato também merecem um reconhecimento especial, porque são fundamentais para compor o ambiente misterioso que enlaça a plateia.
Há, enfim, um misto de encantamento, estranheza, sugestão e suspense, com um humor que permeia tudo isso, fundamentais para que o cliente, ops!, o espectador se sinta enredado pelo clima do espetáculo. E que até cogite olhar a palma da mão, assim como quem não quer quase nada, disfarçadamente, no final de tudo.
FICHA TÉCNICA
Texto: Neil Bartlett
Tradução: Bruno Guida
Direção: Bruno Guida
Elenco: Daniel Infantini e Bruno Guida ou Flavio Tolezani.
Assistência de direção: Mateus Monteiro.
Treinamento em Hipnose: Fabio Puentes.
Iluminação: Aline Santini
Cenário: Flavio Tolezani.
Figurinos: Daniel Infantini.
Adereços: Marcela Donato.
Maquiagem: Daniel Infantini.
Fotografia: Hemerson Celtic.
Design Gráfico: Anna Turra.
Lei: Sonia Odila.
Produção Executiva: Vanessa Campanari.
Produção Rio de Janeiro: Lis Maia
Administração: Vanessa Campanari.
Direção de produção: Pitaco Produções.
Idealização: Bruno Guida.
Realização: Pitaco Produções.
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação

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